“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

Judiciário: pouco honesto e não independente (?)

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13/02/2012 09h52 - Notícias Jurídicas


Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo constatou o seguinte: duas em cada três pessoas consideram o Judiciário pouco ou nada honesto e sem independência; 55% questionam a sua competência; 89% consideram o Judiciário moroso; 88% acham seus custos elevados; 70% o acham de acesso difícil. A percepção da população sobre o Judiciário só piorou nos últimos três anos. Seu índice em 2009 era de 6,5; na pesquisa do quarto trimestre de 2011 caiu para 5,3% (na escala de 0 a 10). A credibilidade do Judiciário está em xeque (Valor Econômico de 07.02.12, p. A7).

Depois que a Ministra Eliana Calmon (Corregedora do Conselho Nacional de Justiça) reivindicou para o CNJ um amplo poder de punir os juízes (porque alguns seriam “bandidos” atrás da toga) eclodiu a maior crise do Poder Judiciário brasileiro. 

O STF, por seis votos contra cinco, de forma muito acertada, confirmou que o CNJ pode iniciar investigações contra os juízes do país independentemente da existência de processo nas corregedorias dos tribunais estaduais ou federais. Isso foi um golpe forte contra o corporativismo reinante nos tribunais, que faziam “manobras corporativas” para evitar punição contra magistrados (O Estado de S. Paulo de 09.02.12, p. A10).

O CNJ também tem poderes para regulamentar os procedimentos que os tribunais devem adotar para processar os juízes. Todos os julgamentos dos juízes devem ser públicos. Essa era uma outra prática nada republicana. A falta de transparência era absoluta. 

É sumamente salutar para a República brasileira e para a construção da moralidade na nossa polis a existência de um órgão fiscalizatório do Judiciário. Fui um dos primeiros no Brasil a escrever um livro sobre o tema, em 1997.

Os desmandos e malandragens morais praticados por alguns juízes, em detrimento do resto honrado da carreira (pagamentos de verbas integrais sem justificativa suficiente, nepotismo, manobras corporativas na hora da punição contra um juiz etc.), são frequentes (e praticamente todos ficavam impunes). 

Um detalhe fundamental: a legitimação dos juízes não reside no consenso nem na representação popular. A função jurisdicional se legitima (a) quando o juiz busca a verdade dos fatos de forma imparcial e independente e (b) quando o juiz se posiciona como garante dos direitos e das liberdades das pessoas. E o que o juiz deve buscar com sua função não é o consenso da maioria, sim, a confiança, ainda que julgando contra a maioria (em muitos casos). 

A confiança do brasileiro no Judiciário está baixa e, pior, está caindo. Nossa jovem e instável democracia, que se define como um projeto de civilização igualitária, para amadurecer, necessita reformular sua vulgaridade e construir bases morais e costumes típicos da convivência cidadã. Seguindo em linhas gerais o filósofo Gomá Lanzón (Ejemplaridad publica), cabe sublinhar que nossa polis carece de um corpo unitário e sólido de crenças coletivas que orientem a socialização da cidadania. O homo democraticus precisa aceitar sua autolimitação para se ver livre da sua espontaneidade e dos seus instintos (sobretudo corporativistas) pouco urbanizados. 

Já não podemos eleger a barbárie corporativa, verdadeiras malandragens morais, em detrimento da civilização exemplar. Só nos cabe optar pela civilidade no lugar da anarquia e da anomia. Aliás, no âmbito da moralidade, como bem enfatiza Gomá Lanzón, “é no exemplo pessoal e não no discurso onde a regra prepondera sobre a intuição” (...) o “eu”, surpreendido na mediocridade (e vulgaridade), só resta explicar-se e reformar-se”.  O CNJ está mais forte. Cabe dar exemplaridade para todos nós, que queremos construir uma polis (um país) urbanizada e civilizada

LUIZ FLÁVIO GOMESJurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Blog: www.blogdolfg.com.br. Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG

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