Quinta-feira, 02 de agosto de 2012
Por maioria de
votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a competência da
Corte para julgar os 38 réus da Ação Penal 470. A decisão ocorreu na análise de
questão de ordem apresentada pela defesa do réu José Roberto Salgado, que pedia
o desmembramento do processo para manter na Corte apenas o julgamento dos réus
com prerrogativa de foro. O pedido foi endossado pelos advogados dos
acusados Marcos Valério e José Genoíno.
A competência do
Tribunal para julgar todos os acusados foi ressaltada pelo relator do caso,
ministro Joaquim Barbosa. Esse entendimento foi seguido pelas ministras Rosa
Weber e Cármen Lúcia Antunes Rocha e pelos ministros Luiz Fux, Dias Toffoli,
Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Celso de Mello, além do presidente da Corte, ministro
Ayres Britto. O relator lembrou que a questão já foi amplamente debatida pelo
Plenário na ocasião do recebimento da denúncia, além de outras situações em que
os ministros analisaram o tema ao longo da tramitação do processo.
O ministro Joaquim
Barbosa citou a Súmula 704 do STF segundo a qual “não viola as garantias do
juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por
continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função
de um dos denunciados”.
Argumentos da
defesa
De acordo com os
argumentos apresentados pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, defensor do réu
José Roberto Salgado, apenas três dos 38 acusados poderiam ser julgados pelo
STF, em razão da prerrogativa de foro prevista na Constituição Federal. São eles
os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar
Costa Neto (PR-SP). Já o processo contra os demais deveria ser encaminhado para
a primeira instância, juiz natural da causa, segundo o advogado.
A defesa sustentou
que o STF não teria competência constitucional para julgar os acusados que não
têm prerrogativa de foro. Isso porque esses réus não estão listados no artigo
102, I, letras “b” e “c”, da Constituição Federal. Sustentou ainda que o envio
do caso para a primeira instância respeitaria os direitos assegurados pelo
Pacto de São José da Costa Rica, no ponto em que prevê o julgamento pelo juiz
natural e o duplo grau de jurisdição.
Votos divergentes
O ministro Ricardo
Lewandowski, revisor da Ação Penal 470, votou pelo desmembramento do processo
para que, consequentemente, o STF julgasse apenas os três acusados que detêm
foro por prerrogativa de função. O ministro revisor defendeu que a prerrogativa
de foro significa uma exceção e, portanto, deve ser aplicada em situações absolutamente
excepcionais.
Citou, ainda, a
Convenção Americana de Direitos Humanos, mais especificamente o Pacto de São
José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. O pacto prevê que toda
pessoa terá o direito de recorrer da sentença a um juiz ou tribunal superior,
ou seja, o duplo grau de jurisdição.
“Resolvo a questão
no sentido de assentar que se faz necessário o desmembramento do feito com
relação aos réus sem prerrogativa de foro, devendo permanecer sob a jurisdição
do STF apenas aqueles que detêm tal status processual por força da própria
Constituição”, concluiu.
Seu voto foi
acompanhado pelo ministro Marco Aurélio. Favorável ao desmembramento do
processo, o ministro Marco Aurélio lembrou que, no caso do INQ 2280, em que um
dos investigados era o então senador Eduardo Azeredo, a Corte decidiu
desmembrar o processo, e manifestou-se pela adoção de solução similar na
AP 470.
Maioria
Os nove ministros
do STF que rejeitaram a questão de ordem fundamentaram a decisão no argumento
de que a Corte é competente para julgar conjuntamente os 38 réus da AP 470,
conforme decisões precedentes.
A ministra Rosa
Weber lembrou que outros pedidos de desmembramento do processo foram
indeferidos pelos membros da Suprema Corte. “Não se pode, no mesmo processo,
voltar atrás”, afirmou a ministra. Também partidário desta tese, o ministro
Luiz Fux disse que a Constituição Federal não veda que, uma
vez estabelecida a competência originária do STF para julgar o
processo, possam ser acolhidas causas conexas. ”A regra é o
julgamento simultâneo”, observou, destacando a importância da duração razoável
do processo, que poderia ser prejudicada com a transferência do processo
referente aos réus que não têm foro privilegiado para instância inferior.
Chamou-se atenção,
também, para o risco de prolação de decisões inconciliáveis envolvendo os réus
ainda sob o crivo do STF e os que tivessem seus processos transferidos para
instância inferior.
Ainda na mesma
linha de votação, o ministro Dias Toffoli afastou o argumento de que o Pacto de
São José, em seu artigo 8º, garantiria o duplo grau de jurisdição,
sobrepondo-se à Constituição. Segundo ele, um pacto internacional a que o
Brasil tenha aderido não tem prevalência sobre a Constituição brasileira. Ele
defendeu a competência da Corte para examinar se cabe desmembramento e, havendo
conexão, entende que a causa deve ser mantida no STF.
A ministra Cármen
Lúcia Antunes Rocha acompanhou o voto do relator, observando que a
Procuradoria-Geral da República provou haver liame entre os fatos atribuídos
aos que tinham prerrogativa de foro e os que não a possuíam.
Por seu turno, o
ministro Cezar Peluso contraditou o argumento de que o STF não teria abordado o
caso sob o ponto de vista constitucional e que este seria o fato novo para
rever as decisões anteriores. “Não há fato novo. Não há enfoque novo”, afirmou
ele. O ministro também observou que não há a possibilidade de retrocesso a
fatos anteriores.
Em seu voto, o
ministro Gilmar Mendes destacou o caráter positivo do debate sobre a questão do
foro por prerrogativa de função e do próprio julgamento da AP 470. Ele lembrou
que, em crime multidimensional, é difícil desmembrar, pois isso dificultaria
caracterizar, por exemplo, o crime de quadrilha.
No mesmo sentido se
manifestou o ministro Celso de Mello. Ele, entretanto, propôs um debate no
sentido da possibilidade de o Congresso Nacional restringir mais a abrangência
da prerrogativa de foro.
Por fim, o
presidente da Corte, ministro Ayres Britto, também seguiu o voto do relator e
afirmou que “o caso é de preclusão consumativa”. Para ele, o tema já foi
amplamente discutido, inclusive quanto aos seus aspectos constitucionais, em
várias oportunidades. O presidente também fez referência à Súmula 704, segundo
ele, “de clareza meridiana”.
CM,FK/AD
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