“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

JUSTIÇA ANULA PORTARIA EDITADA PELA PRESIDENTE DA CAMARA MUNICIPAL DE PRINCESA ISABEL-PB QUE CRIOU COMISSÃO ELEITORAL PARA ELEIÇÃO DO SEGUNDO BIENIO.



                        A  juíza da 3ª. Vara da Comarca de Princesa Isabel-PB, julgou procedente Mandado de Segurança impetrado pelos Vereadores Alan Moura, Valmir Pereira, Cleonice Henrique, Ianara Henriques, representados pelo causídico MANOEL ARNÓBIO DE SOUSA,  para fins de anular a Portaria 018/2017 e todos os atos provenientes da mesma,  a qual, fora editada pela senhora Presidente da Casa Legislativa, a senhora, GRACINALDA DOMINGOS DA SILVA MORAIS,  a qual, entre outras coisa instituía uma comissão eleitoral para realização da eleição para o segundo biênio e regras eleitorais não previstas na Lei Orgânica e no Regimento Interno da Casa Legislativa que terminara por ensejar o indeferimento do registro da Chapa dos impetrantes.

                        Por ocasião da petição inicial, fora informado que atendendo requerimento do vereador Ednaldo Melo, (vereador aliado da presidente), a presidência da Câmara convocou eleições da Mesa Diretora do segundo biênio, sendo editada Portaria de  018/2017, sem que fosse dado qualquer tipo de publicidade a mesma, sequer, afixada no mural da Câmara Municipal.

                        A referida Portaria instituiu uma Comissão Eleitoral para tratar do procedimento das eleições para o segundo biênio.

                        Fora informado pelos impetrantes que nunca fora formada esta comissão para eleições na Câmara Municipal e a mesma não tem qualquer previsão, uma vez que, que o Regimento Interno e a Lei Orgânica Municipal não prever a sua criação, portanto, não podendo uma portaria se sobrepor a Lei Orgânica e o Regimento Interno.
                        Por último os impetrantes ainda questionaram a formação da comissão, qual, fora composta pelos servidores Celina Diniz Sobral, Marileide Jerônimo Félix e Eliana Pereira de Melo, sem a presença de nenhum vereador e os servidores todos detentores de cargo comissionados da Câmara Municipal.

                        Impetrado o mandado de segurança fora concedida liminar para fins de suspender os efeitos da Portaria 018/2017, sendo dado tramitação a ação, qual, no último dia 20 de novembro fora sentenciada pela Juíza, Dra. Maria Eduarda Borges Araújo, a qual, sentenciou da seguinte forma:


Poder Judiciário da Paraíba
3ª Vara Mista de Princesa Isabel

MANDADO DE SEGURANÇA (120) 0800332-84.2017.8.15.0311
[Processo Legislativo]
IMPETRANTE: JOSE ALAN DE SOUSA MOURA, VALMIR PEREIRA DE SOUSA, CLEONICE HENRIQUES DA SILVA, IANNARA SOCORRO LIMA HENRIQUES
IMPETRADO: GRACINALDA DOMINGOS DA SILVA MORAIS  


SENTENÇA

Vistos, etc;

Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, interposto por JOSE ALAN DE SOUSA MOURA e outros, contra ato da presidente da Câmara Municipal de Princesa Isabel/PB, a senhora GRACINALDA DOMINGOS DA SILVA MORAIS, após ter a chapa em que se candidata ao cargo de presidente daquele parlamento, indeferida em virtude de suposta intempestividade.
Aduz ainda que o processo eleitoral resta dirigido por comissão instituída pela autoridade coatora, sem, contudo, haver previsão legal para tanto.
Sustenta que além da ausência de disposição normativa prevendo a criação da Comissão eleitoral, aquela teria sido constituída por servidores comissionados do parlamento, quando na verdade deveria ter sido pelos vereadores integrantes da casa legislativa.
Requisitou-se documentos em sede de preliminar, e sustentou a ocorrência de adulteração de documentos pela Comissão Eleitoral.
Os impetrantes, em seus fundamentos, afirma que a edição da Portaria 018/2017 designando como membros integrantes servidores comissionados, viola o princípio da Legalidade, posto que não existiria amparo legal em tal sentido. Bem assim, sustenta que a exigência de declarações pelos candidatos na mencionada Portaria não encontra amparo legal.


Pugnaram pela concessão de liminar para suspender os efeitos da Portaria 018/2017, que instituiu a comissão eleitoral, bem como pela habilitação da chapa dos impetrantes e determinação de Realização da Sessão extraordinária para fins de realização da eleição.
E no mérito pedem a procedência para declarar a nulidade da Portaria combatida e a determinação de habilitação da chapa dos impetrantes para fins participação da eleição da mesa direito do biênio 2019/2020 da Câmara de Princesa Isabel.
Indeferida a preliminar de requisição de documentos e deferida, parcialmente, a liminar mandamental com a suspensão dos efeitos da Portaria 018/2017.
Notificada a autoridade coatora, inicialmente apresentou preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, alegando, em síntese, que teria agido de acordo com suas prerrogativas, não sendo o caso de cabimento de Mandamus, e desta feita pugnando pela extinção do feito sem resolução de mérito.
Quanto ao mérito, em síntese, sustenta que a Portaria 018/2017 teria sido editada e publicizada, inclusive por meio de endereço eletrônico daquele Parlamento Mirim, supostamente dando conhecimento aos impetrantes e a todos do povo.
Reitera ainda que o fato de não haver disposição expressa no sentido de criação da Portaria em debate, assenta que a mesma teria sido criada com fundamento nos termos do art. 130 do Regimento Interno da Câmara Municipal, bem como, com base em precedente aprovado pelo plenário da casa, e neste sentido cita precedente do ano de 2012, sustentando por fim, ser impensável uma comissão eleitoral constituída pelos próprios parlamentares.
Reconhece que houve rasura no horário de apresentação dos documentos de um dos impetrantes, todavia, alega a ocorrência de equívoco do membro da Comissão Eleitoral.
Ao final sustenta que não restam evidentes as razões invocadas pelos impetrantes e pleiteia a improcedência do feito.
A parte impetrante peticionou nos autos aduzindo que teria decorrido o prazo de manifestação do Parquet, pugnando pela prolatação de Decisão sem o competente Parecer.
Sobreveio aos autos Parecer Ministerial, onde seu representante sustenta não ser o caso de intervenção na forma da Portaria nº 34/2016 do Conselho Nacional do Ministério Público.
Sem mais diligências, vieram-me os autos conclusos.
DECIDO.
Quanto a preliminar de impossibilidade Jurídica do pedido apresentado pela autoridade impetrada.
Aduzindo que teria agido dentro das limitações de suas prerrogativas, destaca a autoridade coatora não ser o presente mandamus cabível no caso em comento e pugna pela sua extinção sem resolução de mérito.
Em que pese a preliminar em análise, tenho que a mesma, a deve ser rejeitada.
É que com a nova sistemática inaugurada pelo NCPC, não mais se traduz como condição da ação a possibilidade jurídica do pedido, vez que, tal perspectiva deve ser analisada no curso do processo, culminando com seu reconhecimento ou não quando da análise meritória.
Assim, sem maiores delongas REJEITO a presente preliminar.

QUANTO AO MÉRITO.
Nos termos da Lei n. 12.016/2009, e art. 5º, LXIX, da Constituição da República, “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
Para o deferimento da ordem de segurança é imprescindível a comprovação da existência de um direito líquido e certo, reconhecido como aquele que “apresente todos os requisitos para o seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior não direito líquido e certo, para fins de segurança” (MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de Segurança, 17ª edição, Malheiros, 1996, pág.14).
 Pois bem.
Em que pese as informações prestadas pela autoridade coatora, tenho que a segurança deve ser concedida parcialmente.
Num primeiro plano tem-se que o direito líquido e certo dos impetrantes resta consolidado pelo fato de serem parlamentares e nesta condição a possibilidade de concorrerem livremente aos cargos da mesa diretora daquele parlamento.
Quanto a existência de atos ilegais, com potencial de obstacularizar o aludido direito os impetrantes aduziram vários, contudo, desdobrando-se essencialmente nos seguintes:
·         Que a Portaria 018/2017 que instituiu a Comissão Eleitoral constituída de servidores comissionados não teria respaldo legal;
·         Que não subsiste previsão legal quanto a exigência de apresentação de declarações pelos candidatos à mesa diretora;
 Quanto à existência de previsão legal reconhecendo expressamente a possibilidade de criação de Comissão na forma anunciada, a própria autoridade coatora reconheceu inexistir e, ainda sustenta, que nestas circunstâncias(de ausência de disposição legal) teria aplicado o disposto no art. 130 p. único do Regimento Interno da Casa legislativa, que dispõe o seguinte:
 Art. 130.Os casos não previstos e disciplinados neste Regimento serão interpelados e resolvidos pelo Presidente da Câmara “ad referendum” do Plenário.
Parágrafo Único – Aprovada pelo Plenário a decisão, será considerada como precedente regimental, integrando-se a este Regimento e passando a disciplinar casos semelhantes que ocorram.
Nesta senda, sustenta que a decisão que instituiu a Portaria em combate teve como pressuposto o dispositivo aludido, bem assim precedentes da mesma casa que em legislaturas anteriores, já teria procedido da mesma forma, indicando para tanto, o Decreto 002 de 30 de maio de 2012, como precedente.
Pois bem, no que toca a instituição da presente portaria não enxergo evidências de qualquer ilegalidade, pois que, a atuação da autoridade impetrada resta amparada por dispositivo do RI, bem assim, por precedente em situação análoga.
Outrossim, as disposições relativas às comissões parlamentares previstas no RE em nada dispõe sobre a possibilidade de Comissões Eleitorais, conforme se depreende de seu art. 25, vejamos:
Art. 25 – As Comissões são órgãos técnicos internos da Câmara, constituídos de, pelo menos três vereadores (03) vereadores, em caráter permanente ou transitório, destinados a elaborar estudos, realizar investigações, fiscalizações e emitir pareceres, ou representar a Câmara Municipal.
   Logo, depreende-se que não subsiste previsão para fins de Constituição de comissão eleitoral, o que torna acertada a aplicação do quanto disposto no art. 130 p. único do aludido RI.
 No que se refere a exigência de declarações para fins de candidatura aos cargos da mesa diretora pela Portaria que ora se combate, não se desincumbiu a autoridade coatora em demonstrar a previsão legal para exigência de tal requisito, apenas aduziu que quando editada teria sido dada e devida publicidade ao ato.
 Em atenta análise ao RI não é possível depreender-se que haja disposição legal que reconheça como requisito para candidatura à mesa diretora a apresentação de “declaração de anuência ao cargo”. Na verdade o que se tem de mais aproximado é o disposto em seu art. 15 que evidencia os requisitos que devem constar das chapas, a saber: nomes dos candidatos e seus respectivos cargos, senão, vejamos a disposição da lei:
Art. 15 – Realizar-se-ão as eleições, através de chapas datilografadas com a indicação dos nomes dos candidatos e respectivos cargos, que ficarão sobre a mesa da presidência, sendo retiradas pelos vereadores nominalmente chamados para votar e depositadas na respectiva urna.
 Em contrapartida, observa-se que a Portaria 018/2017 trouxe de forma expressa a exigência de declaração por parte do candidato, sem, contudo, encontrar respaldo jurídico, ou seja, a exigência de tal requisito consiste em verdadeira inovação legal por meio da Portaria que ora se combate. Veja o teor da Portaria 018/2017:
(...)
A presidente da Câmara Municipal de Princesa Isabel, Estado da Paraíba, no uso de suas atribuições legais;
Resolve:
art.1º Instituir Comissão Eleitoral do biênio de 2019/2020, da Câmara Municipal de Princesa Isabel, para, no decorrer do exercício de 2017, receber as inscrições das chapas apresentadas, formular os respectivos pareceres, devendo ainda das a sua admissibilidade ou indeferimento da chapa, verificando o requerimento e as declarações individuais de cada candidato ao cargo pleiteado, com a finalidade do trâmite do processo administrativo legalidade
(...)
 Esclareça-se que no caso em questão não se pode alegar eventual desrespeito ao primado da separação de poderes, vez que, o controle judicial é sempre possível quando evidenciados lesão, violação ou contrariedade aos princípios regentes da Administração Pública.
No caso, verifico que houve violação ao princípio da Legalidade, Art. 37 caput da Constituição Federal de 1988, pois que, a Portaria 018/2017 trouxe em seu bojo uma exigência inexistente no RI para fins de candidatura à mesa diretora. O que é contrário a prefalado princípio, vez que ao agente público somente é possível agir em conformidade com a lei, ressalvada os casos de discricionariedade, o que evidentemente não é o caso.
Nesta senda, e considerando que a edição da aludida Portaria se deu em desconformidade com o quanto previsto no Regimento Interno, tem-se como ilegal a exigência quanto a apresentação de declarações pelos candidatos sendo portanto nula as suas disposições, neste sentido, a jurisprudência seguinte:
APELAÇÃO CÍVEL Mandado de Segurança Transporte de trabalhadores rurais - Pretensão à declaração de nulidade do artigo 23, da Portaria SUP/DER 39/08 Restrição de permissão para transporte de trabalhadores rurais em veículos com mais de vinte anos Ilegalidade da Portaria Exigência de requisito não previsto em lei - Inadmissibilidade - Precedentes desta E. Corte. Sentença que concedeu a ordem Decisão mantida Recurso não provido.(TJ-SP - APL: 00098315920098260066 SP 0009831-59.2009.8.26.0066, Relator: Rebouças de Carvalho, Data de Julgamento: 19/02/2014, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 19/02/2014)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO MUNICÍPIO DE TIMON. RECUSA NA RENOVAÇÃO DA PERMISSÃO DE TÁXI. EXIGÊNCIA DE REQUISITOS NÃO PREVISTOS NA LEI MUNICIPAL Nº 1.245/2002. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. VIOLAÇÃO. I - No direito público vigora o princípio da legalidade estrita, segundo o qual à Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, sendo-lhe vedada a atuação fora dos parâmetros legais, cabendo a atuação do Poder Judiciário para corrigir a invalidade. II - Afronta o princípio da legalidade o ato administrativo que condiciona a renovação da permissão de táxi a requisitos não previstos na Lei nº 1.245/2002, do Município de Timon. III - Remessa desprovida.(TJ-MA - REEX: 0530332013 MA 0001991-21.2013.8.10.0060, Relator: MARCELO CARVALHO SILVA, Data de Julgamento: 24/02/2014, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/02/2014)
Conforme se verifica não é possível a inovação legal por meio de ato administrativo, configurando-se como ilegal e, portanto, incapaz de operar efeitos .
No caso em comento a exigência de declaração dos candidatos a mesa diretora, além de não encontrar amparo no RI da Câmara Municipal, serviu como fundamento para o não recebimento do primeiro requerimento dos impetrantes, os quais, teriam feito os requerimentos sem a apresentação das mencionadas declarações.
Outrossim, como se não bastasse a ilegalidade da exigência, ainda tem-se como infundada tal declaração, pois, o próprio requerimento do candidato ao cargo pleiteado já traduz a sua anuência e desejo de ocupá-lo, o que torna também a exigência referida, contrária ao princípio da razoabilidade.
Assim, tenho que por flagrante desrespeito ao Regimento Interno da Câmara Municipal de Princesa Isabel, em especial ao seu art. 15, a Portaria 018/2017 é nula e dela não poderá surgir quaisquer efeitos. Ademais, considerando a nulidade da Portaria e dos atos dela decorrentes não há que se falar em habilitação da chapa dos impetrantes para fins de participação em eventual eleição, pois que, tal pretensão é conclusão lógica da validade da Portaria.
Ante o exposto, confirmo a liminar suspensiva anteriormente deferida e com fundamento no artigo 487, I do NCPC; e artigo 14, da Lei 12.016/2009, CONCEDO A SEGURANÇA PRETENDIDA E DECLARO A NULIDADE DA PORTARIA 018/2017 da Câmara de Vereadores de Princesa Isabel-PB, bem assim, de todos os atos praticados em virtude de seus efeitos.
 Sentença sujeita a reexame necessário.
 Custas já pagas.
Sem honorários, em virtude de entendimento sumulado (STF, n. 512, STJ n. 105).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se
Diligências necessárias.
 Princesa Isabel/PB, 20 de novembro de 2017.

MARIA EDUARDA BORGES ARAÚJO
Juíza Substituta



Assinado eletronicamente por: MARIA EDUARDA BORGES ARAUJO
http://pje.tjpb.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento: 10524423
                 Com a referida decisão todos os atos decorrentes da Portaria 018/2017 e seus efeitos foram declarados nulos, portanto, os atos praticados pela comissão, no sentido, de indeferir o registro da chapa dos impetrantes, não mais subsistem, ficando apta a chapa a participar do pleito para o segundo biênio.
Escrito por Manoel Arnóbio
DIREITOS RESERVADOS.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

OPINIÃO Improbidade: principais jurisprudências e temas afetados pela Lei 14.230/2021

Legalidade, discricionariedade, proporcionalidade: o controle judicial dos atos administrativos na visão do STJ

Advogado, use o selo de valorização dos honorários em suas petições