ESPECIAL
14/10/2018 06:55
Um ato
tão rotineiro como comprar alimentos algumas vezes pode causar transtornos
inesperados. Em meio aos processos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ), existem desde aquelas situações que geram sentimento de indignação, como
perceber que na embalagem havia menos produto do que o anunciado, até casos
repugnantes, como descobrir larvas de barata, teias de aranha, insetos ou até
objetos inimagináveis nos alimentos adquiridos – e, por vezes, ingeridos.
A
jurisprudência do tribunal sobre esses casos têm seus fundamentados no Código
de Defesa do Consumidor (CDC).
Segundo a ministra Nancy Andrighi, o artigo 8º do código evidencia a existência
de “um dever legal imposto ao fornecedor de evitar que a saúde ou segurança do
consumidor sejam colocadas sob risco”, obrigando ainda que sejam dadas as
informações necessárias e adequadas a respeito do produto ou serviço
comercializado.
Caso
esse dever não seja cumprido, os fabricantes, produtores, construtores e
importadores deverão reparar os danos causados por defeitos decorrentes de
projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação
ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua utilização e riscos, independentemente da existência de
culpa, conforme preconiza o artigo 12.
Dano moral
A
maioria dos julgados do STJ considera necessária a ingestão do alimento com o
corpo estranho para que se configure o dano moral indenizável. Conforme esse
entendimento, a aquisição do produto considerado impróprio para o consumo, em
virtude de presença de corpo estranho, sem que se tenha ingerido o seu
conteúdo, não revela sofrimento capaz de ensejar indenização por danos morais.
São
exemplos dessa posição o AgInt no AREsp
1.018.168, da relatoria do ministro Antonio Carlos
Ferreira, o REsp 1.395.647,
do ministro Villas Bôas Cueva, e o AgRg no REsp
1.537.730, do ministro João Otávio de Noronha.
Em
outros julgados, o tribunal entendeu que o simples fato de levar à boca o
alimento industrializado com corpo estranho, independentemente de sua ingestão,
é suficiente para caracterizar o dano moral. Isso porque o alimento em tais
situações expõe o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança,
mesmo não ocorrendo a ingestão do corpo estranho, o que gera direito à
compensação por dano moral, “dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação
adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”, conforme
afirmou Nancy Andrighi no REsp 1.424.304.
No
mesmo sentido foi julgado o AgRg no REsp
1.354.077, da relatoria do ministro Paulo de Tarso
Sanseverino.
Preservativo masculino
Imagine
a seguinte situação: em março de 2013, uma mulher compra uma lata de extrato de
tomate da marca Elefante, pertencente ao grupo Cargil, com prazo de validade
para outubro de 2014. Ela prepara uma macarronada para seu filho. No dia
seguinte, ao utilizar o restante do produto no preparo de outro prato, percebe
que há algo estranho na lata. Ao analisar detalhadamente, constata que se trata
de um preservativo masculino.
A
situação aconteceu de fato, e o caso foi julgado pela Terceira Turma no REsp 1.558.010,
sob a relatoria do ministro Moura Ribeiro.
Narram
os autos que, enojada, ela procurou a delegacia e registrou boletim de
ocorrência, sendo o produto encaminhado para análise no Instituto de
Criminalística. O laudo constatou a presença do preservativo e considerou o
produto impróprio para o consumo. Após ingerir a macarronada, seu filho passou
mal, sendo atendido e medicado em hospital.
Na
sentença, mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a Cargil foi
condenada a pagar indenização de R$ 6.780 à autora, porém, o pedido de
reparação em relação ao filho foi considerado improcedente.
No
recurso especial, a Cargil alegou que, ao conferir reparação por dano moral,
mesmo não tendo ocorrido a comprovação da ingestão do produto, o TJMG divergiu
da jurisprudência já pacificada no STJ.
O
ministro Moura Ribeiro, mesmo sem poder rever a conclusão do tribunal mineiro
quanto aos fatos, em razão da Súmula 7,
citou posicionamento da ministra Nancy Andrighi segundo o qual “a aquisição de
produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo
o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não
ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral,
dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do
princípio da dignidade da pessoa humana”.
Aliança no biscoito
Essa
posição foi defendida pela ministra Nancy Andrighi no REsp 1.644.405,
julgado em novembro de 2017. Nesse caso, uma criança de oito anos encontrou uma
aliança ao mastigar um biscoito, mas a cuspiu antes de engolir. O Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a sentença que condenava o
fabricante a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais, pois considerou
que, como a criança não ingeriu o corpo estranho e não houve consequência
significativa da situação, apenas risco potencial à saúde, não ficou
demonstrado dano concreto.
De
acordo com Nancy Andrighi, a jurisprudência da corte está consolidada no
sentido de que há dano moral na hipótese em que o produto alimentício em
condições impróprias é consumido, ainda que parcialmente. Porém, para ela, o
entendimento mais justo e adequado ao CDC é aquele que “dispensa a ingestão,
mesmo que parcial, do corpo estranho indevidamente presente nos alimentos”.
“É
indubitável que o corpo estranho contido no recheio de um biscoito expôs o
consumidor a risco, na medida em que, levando-o à boca por estar encoberto pelo
produto adquirido, sujeitou-se à ocorrência de diversos tipos de dano, seja à
sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O consumidor foi, portanto,
exposto a grave risco, o que torna ipso facto defeituoso
o produto”, explicou.
Para a
ministra, “o simples ‘levar à boca’ o corpo estranho possui as mesmas
consequências negativas à saúde e à integridade física e psíquica do consumidor
que sua deglutição propriamente dita, pois desde este momento poderá haver
contaminações e lesões de diversos tipos”.
Inseto no suco
Já no caso
do REsp 1.597.890,
julgado em maio de 2016, o consumidor comprou uma garrafa lacrada do suco
Skinka Frutas Cítricas, fabricado pela Brasil Kirin Indústria de Bebidas S.A.,
e quando foi consumir a bebida, viu um inseto e uma substância esbranquiçada no
fundo da embalagem. Alegou que teria sentido grande a repulsa e indignação,
então pediu a devolução da quantia paga e indenização por danos morais.
O
relator do caso, ministro Moura Ribeiro, considerou que a jurisprudência do STJ
é pacífica no sentido de que “inexiste dano moral quando não ocorre ingestão do
produto considerado impróprio para consumo em razão da presença de objeto
estranho no seu interior, pois tal circunstância não implica desrespeito à
dignidade da pessoa humana”.
Larvas no chocolate
No AREsp 1.095.795,
da relatoria da ministra Isabel Gallotti, julgado em março de 2018, a autora da
ação foi às Lojas Americanas e comprou dois tabletes de chocolate Bis,
pertencente à Mondelez Brasil Ltda. (Lacta). Ela comeu um e deu o outro para o
namorado, que mordeu um pedaço, mas notou sabor estranho e achou que o produto
estava velho. Foi quando identificou a existência de larvas e de teia de aranha
no chocolate, bem como a presença de furos possivelmente causados por algum
inseto.
Os dois
ajuizaram ação de reparação contra as Lojas Americanas e a Lacta. O TJMG
manteve a sentença que condenou as empresas solidariamente à devolução do valor
dos produtos e à indenização por dano moral no valor de R$ 8 mil, sendo R$ 4
mil para cada autor: mulher e namorado.
No STJ,
a Mondelez alegou que seria caso de culpa exclusiva da revendedora, pelo mau
armazenamento do produto. Mesmo sem rever a posição do tribunal mineiro, em
razão da Súmula 7, a ministra concluiu que, em se tratando de relação de
consumo, “são solidariamente responsáveis todos da cadeia produtiva, nada
impedindo que a parte que comprovar não ter a culpa possa exercer ação de
regresso para ser reembolsada do valor da indenização”, como estabelece o
artigo 18 do CDC.
Sardinha de menos
Os
casos de produtos alimentícios em condições impróprias vão muito além dessas
situações de presença de corpos estranhos. Em maio deste ano, a Terceira Turma
julgou um caso envolvendo produto com alteração de peso (REsp 1.586.515).
O colegiado manteve a condenação por danos morais coletivos imposta à
proprietária da marca Gomes da Costa pela venda de sardinha em lata com peso
diferente do que constava na embalagem.
O
Ministério Público do Rio Grande do Sul havia recebido denúncias de
consumidores que afirmavam a diminuição da quantidade de sardinhas nas latas e
o consequente aumento de óleo. A empresa se recusou a assinar um termo de
ajustamento de conduta, então o MP ajuizou ação civil pública.
A
primeira e segunda instâncias condenaram a empresa a pagar R$ 100 mil por danos
morais coletivos e a proibiram de vender as sardinhas com peso inferior ao
anunciado.
A
ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, afirmou que o STJ adota a
orientação de que esse tipo de dano ocorre in re ipsa, ou seja, de
forma presumida, pois sua configuração “decorre da mera constatação da prática
da conduta ilícita”.
Leite estragado
Em
2016, o mesmo colegiado, sob a relatoria do ministro Villas Bôas Cueva,
determinou a condenação por danos morais e materiais em razão da
comercialização de leite da marca Parmalat em condições impróprias para
consumo, em supermercado do Rio Grande do Sul (REsp 1.334.364).
O
Ministério Público do Rio Grande do Sul propôs ação civil pública contra o
supermercado e a Parmalat do Brasil S.A. com base em denúncia de consumidora
que comprou algumas caixas do leite no estabelecimento e, ao chegar em casa,
verificou que, embora dentro do prazo de validade, o produto estava estragado.
A perícia
técnica concluiu que o leite estava talhado e com aspectos físico-químicos
alterados, portanto, impróprio para o consumo. Diante disso, o MP pediu a
retirada do mercado do lote questionado, a publicação da condenação em jornal
de grande circulação e a indenização genérica aos consumidores lesados.
O TJRS
determinou que os produtos que ainda estivessem disponíveis ao consumidor
fossem retirados de circulação. Entretanto, afastou a indenização tanto a
título genérico aos consumidores potencialmente lesados como por violação de
direitos difusos da população.
No STJ, o ministro Villas Bôas Cueva reconheceu ser devida a
condenação genérica por danos morais e materiais na forma dos artigos 6º,
inciso VI, 91 e 95 do CDC e 13 da Lei 7.347/85,
pois, segundo ele, o caso apresenta “a violação do direito básico do consumidor
à incolumidade de sua saúde, já que a disponibilização de produto em condições
impróprias para o consumo não apenas frustra a justa expectativa do consumidor
na fruição do bem, como também afeta a segurança que rege as relações
consumeristas. No caso, laudos demonstraram a potencialidade de lesão à saúde
pelo consumo do produto comercializado: leite talhado”.
Esta notícia refere-se
ao(s) processo(s):REsp 1558010REsp 1644405REsp 1597890AREsp 1018168REsp 1395647REsp 1537730REsp 1354077REsp 1424304AREsp 1095795REsp 1586515REsp 1334364
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Comprando-gato-por-lebre:-o-STJ-diante-dos-alimentos-contaminados
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