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USOS E COSTUMES Mulher retirada de baile por dançar com roupa curta não será indenizada

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Os usos e costumes de determinados locais e comunidades funcionam como verdadeiras normas escritas de conduta e comportamento e assim devem ser consideradas. Logo, quem escolhe frequentar determinada comunidade tem de se sujeitar às regras estabelecidas pelo grupo social, ainda que não formalmente expressas.

Com a prevalência deste entendimento, a 4ª Turma Recursal Cível, dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul (JECs), reformou sentença que condenou em danos morais um clube social ligado à comunidade da Brigada Militar numa comarca do interior. O clube deveria pagar R$ 6 mil por ter retirado a autora do baile, a pedido dos demais frequentadores, que desaprovaram as "vestes indecentes" e a sua postura "provocativa e exibicionista" ao dançar.
Para o colegiado, a administradora do clube se viu obrigada a pedir que a autora se retirasse, já que o clima entre os casais estava muito tenso. Ou seja, ela temia que, se a autora permanecesse no local, acabaria por ser linchada. Em síntese, não houve intenção de expulsá-la de forma vexatória. Antes, foi a própria autora quem reagiu de forma a que todos vissem o que estava acontecendo.
Situação humilhante
O JEC local deu provimento à ação reparatória, por entender que a autora foi vítima, sim, de uma situação desrespeitosa, humilhante e, acima de tudo, "machista, retrógrada e incabível" nos dias atuais. Afinal, ela e seu acompanhante não desrespeitaram qualquer pessoa, regra ou código de conduta seguida no estabelecimento. Para a juíza que proferiu a sentença condenatória, só o que ficou demonstrado foi o incômodo de alguns frequentadores com a forma de a autora se divertir.

Conforme a juíza, o argumento de que o local não comporta "certas atitudes", por reunir casais e idosos, não tem qualquer embasamento jurídico. Olhando os vídeos anexados aos autos, ela percebeu que o local é frequentado por pessoas de diversas idades, tendo como público principal casais de "meia-idade", a situação da autora e do companheiro dela.
"Não há nos autos nada que indique que o comportamento da requerente visava ‘ameaçar o casamento alheio’, conforme mencionou uma testemunha. Pelo contrário, a autora buscava conservar a harmonia e felicidade de seu casamento ao ter bons momentos com seu companheiro, sem qualquer contato com as demais pessoas comprometidas do local", escreveu na sentença.
Ofensa à comunidade
O relator do recurso inominado na 4ª Turma Recursal Cível, juiz Luís Antônio Behrensdorf Gomes da Silva, não viu dano a ser reparado, percepção seguida pela maioria do colegiado. Inicialmente, ponderou que a situação descrita nos autos se revela delicada, pois é tênue a linha entre o que se considera "normalmente adequado" e o "preconceito". Mesmo assim, se convenceu que os réus (clube e administradora) não cometeram excessos contra a autora, já que esta "foi convidada a se retirar" do local.

Para o relator, a prova dos autos demonstrou inconformidade dos frequentadores do baile com as roupas e com a forma de dançar, inaceitáveis para o grupo social daquela cidade. E isso, de certa forma, acaba por cercear o direito de se vestir, a fim de respeitar "os usos e costumes" da comunidade a qual pertence.
"Há que se conceber que a liberdade de escolher o traje não é absoluta, tendo de estar adequada à cerimônia ou evento. Tratava-se de baile de casais, pessoas de idade mais avançada, não havendo pertinência dos trajes com o evento. E da prova colhida restou evidente que o nível de ofensa para aquelas pessoas que lá se encontravam foi muito alto, a ponto de vários pedirem à ré para que alertasse a autora quanto ao seu comportamento e trajes, considerados por aquela comunidade, indecentes", escreveu no acórdão.
Behrensdorf comparou a situação com a conduta exigida nos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). "Em um baile de CTG, por exemplo, são exigidos trajes específicos, muitas vezes sendo admitido entrar apenas pilchado [vestido com trajes gauchescos], sendo bastante comum, principalmente em cidades do interior, a exigência de determinada conduta. Se algum casal está dançando de forma mais íntima, por exemplo, o Patrão do CTG não se constrange em parar o baile e alertar para a manutenção do respeito", encerrou.
Clique aqui para ler o acórdão modificado.
 é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 26 de janeiro de 2020, 15h23


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