Pular para o conteúdo principal

POR CAUSA DA COVID-19 Administração de Cotia tenta se apropriar indevidamente de ventiladores pulmonares


Segundo a Lei 13.979/2020 — que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia da Covid-19 —, as autoridades podem requerer "bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa". O manejo do dispositivo, contudo, está por trás de ações administrativas, no mínimo, contestáveis.
Ventiladores pulmonares: equipamentos são alvo de disputa entre União e município
Reprodução
Foi justamente o que aconteceu em Cotia (SP). A prefeitura havia ingressado com ação para garantir a compra dos equipamentos pelo município, que foi acolhida nesta sexta-feira (27/3) pela 2ª Vara Federal de Osasco, em sede de tutela antecipada antecedente.

Horas depois, o vice-prefeito, Almir Rodrigues, que também e secretário de segurança pública, numa ação "cinematográfica", foi a um fabricante de respiradores pulmonares — a Magnamed Tecnologia Médica —, sem autorização para lá ingressar. Acabou usando a força da guarda municipal para tomar posse dos aparelhos — ao todo, 35. O argumento foi o de ajudar a população.
Veja o momento em que se deu a ação das autoridades municipais de Cotia:
Conflito de poderes
Antes da decisão desta sexta-feira (27/3), o Ministério da Saúde havia oficiado a empresa, em 19/3, requisitando a totalidade dos aparelhos produzidos e já disponíveis a pronta entrega, assim como os que viesses a ser fabricados nos seis meses subsequentes.

Contudo, outro ofício do Ministério da Saúde, de 25/3, alterou seu posicionamento. Para a pasta, os bens poderiam ser liberados para comercialização.
A aventura do município, porém, foi derrubada em decisão da juíza federal Adriana Delboni Taricco deste sábado (28/3). A juíza acolheu pedido do Ministério Público Federal e determinou que a Prefeitura devolva os 35 aparelhos apreendidos.
Isso porque, segundo a empresa, os aparelhos ainda não haviam sido fiscalizados pela Anvisa.
Assim, ao argumento de que seria arriscado que os respiradores, desde já, fossem utilizados, a magistrada entendeu que há "risco iminente à saúde de futuros pacientes acometidos com Covid-19, que podem vir a depender de tais bens em situação frágil de saúde".
Na decisão, ela fixa multa diária de R$ 10 mil caso a municipalidade não restitua os aparelhos à empresa, bem como responsabilização pessoal do prefeito e vice-prefeito de Cotia.
Repercussão
Em tese, um administrador, como o chefe do executivo de Cotia, poderia, sim, usar da propriedade privada — de terceiros, portanto — ante uma situação de crise. É o que prevê o inciso XXV do artigo 5º da Constituição da República:

No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.
A questão que se coloca, contudo, diz respeito a como as diversas autoridades, de diferentes níveis federativos, atuarão coordenadamente para enfrentar a crise. 
Ao comentar o caso de Cotia, o tributarista Igor Mauler Santiagoafirmou: "Requisições administrativas cumuladas por diversos entes federativos tornarão disfuncional a distribuição dos equipamentos. Sem contar que os seus adquirentes eram hospitais, que terão frustrada a sua expectativa de ampliação nesta emergência. Retirar de uns hospitais para entregar a outros não resolve o problema. O foco deveria estar no aumento da capacidade de produção".
Para Jarbas Andrade Machioni, também comentando o caso, é provável que o preposto do prefeito tenha mentido, quando da ação na última sexta-feira (27/3). "Ele mencionou decisão de juiz que autoriza prefeitura comprar", afirma. Isto é, o comando judicial da 2ª Vara Federal de Osasco apenas versava sobre a possibilidade de compra, pela prefeitura, dos equipamentos. E não sobre a "apreensão" deles. "Mas tecnicamente não dá para dizer que se trata de um 'roubo', apesar da violência", acrescenta.
Ao analisar o caso, a advogada Sônia Rao também identifica que a municipalidade de Cotia agiu em desconformidade com o comando da primeira decisão judicial.
"O pedido de tutela de urgência que foi deferido pela Segunda Vara Federal de Osasco ordenou apenas que a empresa fornecedora não impedisse a aquisição dos aparelhos pelo município de Cotia. A decisão judicial em nenhum momento autorizou a utilização de força policial ou a 'apreensão' dos aparelhos", destaca.
Para ela, "a cena retratada em vídeo, além de não encontrar qualquer respaldo na decisão judicial, revela despreparo e insensatez. São tempos difíceis, mas não podemos abrir mão do bom senso e da legalidade, sob pena de contribuirmos para a vitória do coronavírus , da barbárie".
Clique aqui para ler a decisão deste sábado (28/3)
0009157-30.2020.4.03.8001

Clique aqui para ler a decisão desta sexta-feira (27/3)
5001498-66.2020.4.03.6130
 é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
 é editor da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2020, 16h22

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dívidas contraídas no casamento devem ser partilhadas na separação

Extraído de:   Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul    - 23 horas atrás Compartilhe O Tribunal de Justiça do Estado negou pedido de pensão alimentícia a ex-mulher e determinou assim como a partilha de dívidas do ex-casal, confirmando sentença proferida na Comarca de Marau. O Juízo do 1º Grau concedeu o pedido. A decisão foi confirmada pelo TJRS. Caso O autor do processo ingressou na Justiça com ação de separação, partilha e alimentos contra a ex-mulher. O casal já estava separado há dois anos. No pedido, o ex-marido apresentou as dívidas a serem partilhadas, sendo elas um débito no valor de cerca de R$ 4 mil, decorrente de um financiamento para custear um piano dado de presente à filha do casal, bem como a mensalidade da faculdade da jovem, no valor de R$ 346,00. Sentença O processo tramitou na Comarca de Marau. O julgamento foi realizado pela Juíza de Direito Margot Cristina Agostini, da 1ª Vara Judicial do Foro de Marau. Na sentença, a magistrada concede...

Inventário e partilha no Novo Código de Processo Civil

A Lei nº 13.105 de 16/03/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil (NCPC) trouxe inúmeras inovações para direito processual brasileiro, inclusive, para o procedimento especial destinado à ação de inventário e partilha. Primeiramente a mudança do NCPC foi estrutural, pois enquanto o CPC/73 disciplinava os procedimentos especiais em livro próprio – Livro IV, o NCPC, vem dividido em duas partes: Parte Geral, com seis livros e Parte Especial, com três livros. Os procedimentos especiais estão disciplinados no Título III, do Livro I, da Parte Especial, intitulado “Do Processo de Conhecimento e do Cumprimento de Sentença”. Note então que o legislador transferiu para o Livro I da Parte Especial todos os procedimentos previstos na legislação processual, agrupando-os de forma mais sistematizada.

PROGRAMA POR PONTUAÇÃO OAB - assina contrato com consultoria para implantar Anuidade Zero em 90 dias

13 de abril de 2019, 15h25 O Conselho Federal da OAB assinou, na quarta-feira (10/4), um contrato de assessoria e auditoria com a empresa Deloitte para implementar o  programa Anuidade Zero, que permite que advogados troquem pontos por descontos em anuidades. A medida já existe em seccionais, e a expectativa é que a ação comece a funcionar em até 90 dias em todo o país.  Para implantar programa Anuidade Zero, Conselho Federal da OAB contrata empresa de consultoria e auditoria. OAB/Conselho Federal O presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, afirmou que o programa será uma das prioridades de sua gestão. “A parceria do Conselho Federal com as caixas de assistência resultará em muitos benefícios aos advogados de todo o Brasil, de todas as regiões", disse. "A implantação desse programa através da Deloitte dará segurança para todos", completou. O programa funciona como um serviço de pagamento com bonificação. Segundo o Conselho Federal, serão feit...