“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

STF regulamenta a expedição de precatórios incontroversos Breno Rodrigues


STF regulamenta a expedição
No início do mês de junho de 2020, depois de decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal considerou que a expedição de precatórios da parte incontroversa é constitucional. Essa decisão teve como objetivo evitar que uma possível demora nos cálculos dos valores prejudique o credor.

Mas o que é valor incontroverso? e o que tem a ver com expedição de precatórios?

Valor incontroverso é aquele em que tanto o exequente (credor) quanto o executado (devedor) concordam. É o menor valor encontrado nos cálculos feitos durante a fase de cumprimento de sentença. Após o trânsito em julgado procedente (causa considerada favorável ao autor), o processo vai para a fase de cumprimento de sentença. Nela, os cálculos são feitos a fim de que a decisão seja cumprida.
Normalmente, para que o juiz analise a pedida do autor na fase de cumprimento de sentença, é solicitado que ele apresente seus cálculos. Mas, existe também a possibilidade de que ele opte pela execução invertida. Nessa hipótese é o devedor quem apresenta primeiro os cálculos. Geralmente isso acontece nos processos de menor valor e o autor (credor) costuma concordar com os valores apresentados.
Se não ocorrer a execução invertida, na maioria das vezes, o cálculo do credor é superior ao cálculo do devedor. Assim, ao apresentar os seus valores, o devedor alega que há excesso de execução. Ou seja, não concorda com a metodologia de cálculo apresentada pelo credor. E pede que o seu cálculo que seja o definido como verdadeiro, comparado ao do credor.
Daí pode ocorrer três coisas:

Concordância nos cálculos pelo advogado/credor

Mesmo que o cálculo do advogado e do devedor estejam diferentes, pode haver concordância nos cálculos. Normalmente isso acontece pela parte do credor e não do devedor.
Isso geralmente ocorre quando a diferença é considerada pequena pelo advogado.
Exemplificando:
No cálculo do advogado, o valor que o devedor deveria pagar seria de 65 mil reais. Já o devedor acha que o valor a ser pago seria de 63 mil. Por considerar que a diferença é pequena e evitar burocracia processual, o advogado pode aceitar que os 63 mil sejam o valor real e desistir dos 2 mil reais.

Concordância nos cálculos pelo juiz

Isso ocorre apenas quando a diferença de valores é considerada irrisória nos olhos do juiz. Assim ele aceita o cálculo de uma das partes, geralmente a do devedor, para que o processo termine.
Como no seguinte caso em que o valor calculado pelo advogado é de 1 milhão e 500 mil reais e o valor calculado pelo devedor é de 1 milhão 498 mil reais. Mesmo que o advogado queira lutar pelos 2 mil reais de diferença o Juiz pode pensar de maneira diferente. Como o ideal é que todos os casos sejam resolvidos rapidamente, devido ao grande número de processos no judiciário, o Juiz diz que o valor de 2 mil reais é irrisório no pedido de R$ 1.500.000,00. Já que essa diferença representa apenas pouco mais de 0,13 % do valor total.

Não concordância dos cálculos

Isso ocorre quando a diferença entre o valor calculado é relativamente grande. Daí surgem os valores controversos e incontroversos.
Exemplo: Processo em que o credor apresenta cálculo no valor de 120 mil reais e o devedor apresenta como devido 70 mil reais. Há uma diferença de 50 mil reais, pouco mais da metade do valor pedido. Essa diferença é relativamente grande para que o credor ou o juiz aceite o cálculo do devedor.
Neste caso surgem os dois valores. O valor incontroverso, neste caso, é de 70 mil reais. Este é o valor mínimo que ambas as partes concordam. Já que é o valor calculado pelo devedor, ele concorda que, no mínimo, deve pagar 70 mil reais.
Já o valor controverso é o valor restante (50 mil reais), pois há uma controvérsia (uma dúvida) se ele deveria ser pago ou não. Isso acontece pois apenas uma das partes concorda que ele existe. O valor controverso terá que passar por peritos judiciais ou realização de novos cálculos pelo devedor e/ou credor, pois alguma metodologia de cálculo está errada. Os motivos que geram o valor controverso são geralmente índices de atualização e períodos de cálculo diferentes. Ou seja, uma das partes usa IPCA enquanto outra usa TR para atualizar o cálculo. Ou então é considerado 2 anos de benefício enquanto outra apenas metade deste período.

Como a decisão DO STF DE EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIOS impacta a vida dos credores?

Depois de entendido o que é valor controverso e incontroverso, vamos ao que interessa. A decisão do STF apenas consolida uma tese que poderia variar entre tribunais e agora deve ser aplicado em todos os casos. O que os ministros do supremo decidiram é que sempre que houver valor considerado incontroverso, um ofício requisitório deve ser expedido em favor do credor. Consequentemente, será expedido um precatório ou RPV.
Mas se isso já existia o que houve de diferente? Na ação que gerou Recurso Especial 1205530, o juiz determinou que fosse expedido o ofício requisitório referente aos valores incontroversos. A ação era de uma pessoa contra o DER de SP. Nela, o DER/SP defendia que o valor deveria ser de pouco mais de 20 mil reais. Por outro lado, a credora defendia que deveria ser de 28 mil reais. Porém, o TJSP efetuou a expedição de uma RPV no valor que o Detran considerava “justo” (incontroverso).
O problema era que, na época, este valor (R$ 20 mil) era inferior ao limite de precatório em São Paulo. Enquanto apenas o valor total, de 28 mil reais, ficava acima do limite. Assim, o DER pedia que não fosse expedido nenhum ofício da parcela incontroversa. E que se houvesse alguma expedição, que fosse expedido precatório e não RPV.
O DER recorreu da decisão do TJSP e os ministros, no Recurso Extraordinário, julgaram parcialmente procedente o pedido do DER.
Ao anunciar o voto, o relator, Ministro Marco Aurélio, questionou se a constituição federal negava o pagamento de valor considerado incontroverso. Com isso, negou a parte do pedido que pedia que o ofício requisitório fosse cancelado. Entretanto, aceitou a outra parte. Assim, ao expedir um ofício do valor incontroverso, deve-se verificar o valor total pedido pelo credor. Pois a parcela incontroversa não deve mudar o regime de pagamento. Ou seja, se o valor que o credor pedia era precatório, mesmo que o valor incontroverso seja menor, ele será um precatório.

O que mudou na prática com essa expedição de precatórios?

A tese foi então fixada pelo tribunal desta forma:  “Surge constitucional expedição de precatório ou requisição de pequeno valor para pagamento da parte incontroversa e autônoma do pronunciamento judicial transitada em julgado observada a importância total executada para efeitos de dimensionamento como obrigação de pequeno valor”.
A parte em negrito “observada a importância total executada” diz justamente isso. O importante não é o valor incontroverso, mas sim o valor total pedido (executado) pelo credor.
Na teoria houve uma piora na situação que já existia. Já que o valor da parcela era que definia se era RPV ou não. Com isso a tendência é que precatórios de valores menores sejam expedidos. Porém, ao regulamentar a parcela incontroversa, a expedição de ao menos um ofício será mais rápida. O que garantia uma posição melhor na fila, ou um pagamento antecipado.
E você credor o que pensa sobre essa notícia de expedição de precatórios? Deixe aqui embaixo seu comentário.

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