Pular para o conteúdo principal

Responsabilidade da União no combate à Covid 19 e ação positiva do STF

 


Pandemia no Amazonas: responsabilidade da União e ação do STF

O recente agravamento da pandemia no Amazonas trouxe à baila a questão da responsabilidade das autoridades pelo colapso no sistema de saúde de Manaus, palco de críticas da opinião pública interna e internacional motivada, principalmente, pela falta de oxigênio que está causando a morte de pacientes internados nos hospitais locais.

Familiares de pessoas internadas estão adquirindo, às suas expensas, os cilindros de oxigênio na tentativa de salvar a vidas de entes queridos. A sociedade civil encetou uma campanha de doção de recursos financeiros para minimizar o triste quadro de saúde em Manaus. A Venezuela, um País onde falta de tudo, inclusive, com a população passando fome, está enviando tubos de oxigênio para Manaus em sinal de solidariedade.

Foi aberto um inquérito epidemiológico para apurar as causas do colapso do sistema de saúde de Manaus.

Cobrado pela mídia quanto à responsabilidade do governo federal nesse episódio de Manaus, o Presidente Jair Bolsonaro declarou em alto e bom som que o STF proibiu o governo federal de “fazer qualquer ação em combate ao coronavírus em Estados e Municípios” e completou em tom de blague: “Pelo STF, eu tinha que estar na praia, agora, tomando uma cerveja. O Supremo falou isso para mim. O erro meu agora foi não atender ao STF e estar interferindo, ajudando quem está morrendo em Manaus”.

Já é conhecida de longa data a incontinência verbal do Senhor Presidente da República, mas tudo tem um limite. Não pode culpar outro Poder para fugir da responsabilidade que lhe cabe nesse gravíssimo momento de pandemia que já ceifou a vida de mais de 200 mil brasileiros.

Não faz sentido algum esses extrapolamentos de linguagem, como aquele dito em relação ao uso de máscaras: “Vou dar um mergulho no rio de máscara para não contaminar os peixinhos”, ironizando e minimizando o uso de um instrumento eficaz na contenção da propagação do vírus da covid 19.

O que o STF decidiu, na realidade, em abril de 2020 é que o Estados e Municípios têm competência concorrente para adoção de medida para tratar da saúde a fim de realizar ação de mitigação dos impactos do novo coronavírus, o que está absolutamente em harmonia com o disposto no art. 24, XII da CF.

Simples menção à competência concorrente já conduz à idéia de que cabe à União editar normas gerais visando a defesa da saúde. E isso foi feito ela Lei nº 13.979, de 6-2-2020 aprovada e sancionada em regime de urgência.

Ficou contido, também, naquela decisão que União, Estados e Municípios têm competência comum para prestar serviços de saúde e de assistência pública, o que, igualmente, está previsto no inciso II, do art. 23 da CF.

Bem interpretando a decisão da Corte Suprema, nada autoriza concluir que a União ficou excluída do processo de combate ao coronavírus, muito menos o extrapolamento de autoridades locais que, por meio de decretos e portarias, procederam à interdição de praias e de rodovias intermunicipais.

Tampouco a decisão da Corte Suprema permitiu o uso indevido da guarda civil metropolitana para exercer as funções cabentes à polícia militar no âmbito da segurança pública, nem para fazer as vezes de agente vistor, para lavrar auto de multa por descumprimento legal. Foi o que aconteceu no Município de Santos, onde um guarda civil municipal autuou um Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, e este  o teria destratado rasgando o auto de multa. O caso foi parar nas corregedorias do TJ/SP e do STJ para punição disciplinar do magistrado. O aspecto da ilegalidade da atuação do guarda municipal ficou sepultado por conta do clamor popular em torno da defesa do “humilde servidor público” ofendido no exercício de suas atribuições legais. Na verdade, a função estava sendo exercida com desvio de finalidade, bastando a simples leitura do art. 144, § 8º da CF, para constatação desse desvio.

Talvez, o que eventualmente tenha faltado na decisão da Corte Suprema no julgamento de abril de 2020, que fixou a competência comum dos Estados e Municípios no que tange ao isolamento social, quarentena etc., é que não cabe aos entes regionais e locais no exercício da competência administrativa e no exercício da competência legislativa concorrente, afrontar as normas gerais da União (art. 24, § 4º da CF).

Entretanto, o Senhor Presidente da República, ao contrário de jornalistas que veiculam notícias da espécie, tem à sua disposição corpo de juristas, tanto no Gabinete da Casa Civil, como na AGU para esclarecer que a União não foi excluída da ação conjunta de combate à pandemia da covid 19. Aliás, tal pensamento nem seria razoável.

Quer-nos parecer, data máxima vênia, que o Senhor Presidente da República  está buscando uma desculpa esfarrapada para tentar se livrar a responsabilidade em face da revolta popular em função do colapso no sistema de saúde de Manaus, que levou à morte várias pessoas internadas nos hospitais locais.

Tentar responsabilizar o STF pela notória omissão e pouco caso do Executivo Federal em face da pandemia, não irá convencer ninguém, ao contrário, só servirá para avolumar movimentos contrários à atuação omissa do Chefe da Nação.

Diga-se a bem da verdade, nenhum órgão tem agido com tamanha presteza e eficiência na implementação de medidas de combate à covid 19 do que o STF que interveio inúmeras vezes, por provocação, notadamente, de partidos políticos, ora para mediar os conflitos entre os órgãos e poderes, ora para definir concretamente os mecanismos da preservação da vida e da saúde dos brasileiros.

Nunca um órgão tem agido com tamanha rapidez e eficácia como Supremo Tribunal Federal, quer por ação isolada de seus ministros, quer por meio do Colegiado, prestando serviços relevantes à sociedade brasileira.


m

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dívidas contraídas no casamento devem ser partilhadas na separação

Extraído de:   Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul    - 23 horas atrás Compartilhe O Tribunal de Justiça do Estado negou pedido de pensão alimentícia a ex-mulher e determinou assim como a partilha de dívidas do ex-casal, confirmando sentença proferida na Comarca de Marau. O Juízo do 1º Grau concedeu o pedido. A decisão foi confirmada pelo TJRS. Caso O autor do processo ingressou na Justiça com ação de separação, partilha e alimentos contra a ex-mulher. O casal já estava separado há dois anos. No pedido, o ex-marido apresentou as dívidas a serem partilhadas, sendo elas um débito no valor de cerca de R$ 4 mil, decorrente de um financiamento para custear um piano dado de presente à filha do casal, bem como a mensalidade da faculdade da jovem, no valor de R$ 346,00. Sentença O processo tramitou na Comarca de Marau. O julgamento foi realizado pela Juíza de Direito Margot Cristina Agostini, da 1ª Vara Judicial do Foro de Marau. Na sentença, a magistrada concede...

OPINIÃO Improbidade: principais jurisprudências e temas afetados pela Lei 14.230/2021

  29 de janeiro de 2022, 17h19 Por  Daniel Santos de Freitas Sem dúvidas que, com o advento da Lei 14.230/2021, que altera substancialmente a Lei 8.429/92, uma missão muito importante foi dada ao Poder Judiciário, em especial ao STJ: pacificar entraves interpretativos acerca da Lei de Improbidade (Lei 8.429/92), sob a perspectiva da lei modificadora. Pela profundidade das alterações, em que pese não ter sido revogada a Lei 8.429/92, muitos afirmam estarmos diante de uma "nova" Lei de Improbidade Administrativa. Em certos aspectos, parece que o legislador enfrentou alguns posicionamentos da corte superior que não mais se adequavam à realidade atual e editou normas em sentido oposto, de sorte a dar um ar totalmente atualizado à Lei de Improbidade, visando principalmente a conter excessos.

Legalidade, discricionariedade, proporcionalidade: o controle judicial dos atos administrativos na visão do STJ

  ESPECIAL 13/03/2022 06:55 O ato administrativo – espécie de ato jurídico – é toda manifestação unilateral de vontade da administração pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato resguardar, adquirir, modificar, extinguir ou declarar direitos, ou, ainda, impor obrigações aos administrados ou a si própria. Esse é um dos temas mais estudados no âmbito do direito administrativo e, da mesma forma, um dos mais frequentes nas ações ajuizadas contra a administração pública. Em razão do poder discricionário da administração, nem todas as questões relativas ao ato administrativo podem ser analisadas pelo Judiciário – que, em geral, está adstrito à análise dos requisitos legais de validade, mas também deve aferir o respeito aos princípios administrativos, como os da razoabilidade e da proporcionalidade. Cotidianamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é acionado para estabelecer a correta interpretação jurídica nos conflitos que envolvem esse tema. Ato que el...