“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

"CASO ESTARRECEDOR" Mulher que casou com tio de 72 anos não tem direito a pensão, decide STF


Por 

Por vislumbrar má-fé e indícios de fraude, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal negou mandado de segurança e manteve decisão do Tribunal de Contas da União que julgou ilegal a concessão da pensão de um juiz classista que, em 2010, aos 72 anos, decidiu se casar com sua sobrinha de 25 anos.
Stock.XCHNG
Por fraude, STF cancela pensão de mulher que casou com tio de 72 anos

Ele morreu quatro meses depois de câncer e a viúva passou a receber a pensão. O TCU considerou o pagamento ilegal e determinou não só o fim da pensão como a devolução do dinheiro recebido pela jovem. Para o tribunal, o casamento foi planejado apenas para que ela recebesse o benefício do falecido.

Contra a decisão do TCU, a sobrinha levou o caso ao Supremo Tribunal Federal em mandado de segurança impetrado em 2010. Para a viúva, o TCU não teria competência "para declarar inválido o casamento com o instituidor do benefício", alegando que seria ilegal a determinação de ressarcimento por falta de fundamentação e de má-fé.

O relator no Supremo, ministro Marco Aurélio, inicialmente acolheu o pedido, restabelecendo a pensão até o julgamento final do processo, o que aconteceu neste mês. Por unanimidade, a 1ª Turma denegou a ordem por concordar com o entendimento do TCU de que houve má-fé no casamento entre tio e sobrinha. 

"O caso é realmente estarrecedor e mostra que não se tem respeito maior pela fidelidade de propósito, respeito maior com a coisa pública. Eis os fatos: juiz classista, aos 72 anos e à beira da morte, tanto assim que veio a falecer quatro meses após o casamento, com câncer terminal na próstata, contraiu, repita-se, aos 72 anos, matrimônio com sobrinha de, à época, 25 anos de idade. A diferença entre eles aproximava-se dos 47 anos", disse Marco Aurélio.

Um dos pontos citados no voto do relator foi o cálculo do TCU sobre os gastos com o benefício que a sobrinha poderia receber: em 2010, a concessão de pensão a viúvas em situação parecida (com diferença grande de idade no casal) chegava a R$ 280 milhões, conforme dados da Previdência Social. 

Ainda de acordo com o ministro, o tribunal de contas não desfez o casamento, mas a "simples consideração de quadro fático a implicar a insubsistência da pensão em virtude da má-fé que a cercou". Para ele, a sobrinha não tem direito líquido e certo à pensão.

"Não é demasia citar Platão, quanto à verdade: 'É preciso tender para a verdade, com toda a alma, com o coração e a inteligência'", destacou o ministro.

"Presentes dados a sinalizarem, a mais não poder, a intenção de alcançar-se, em detrimento do erário, pensão, o Tribunal de Contas abandonou o formal — a certidão de casamento — para levar em conta a realidade. Fez ver que 'não se trata aqui de decretar a nulidade do negócio jurídico, e sim, negar validade a ele, quando identificados fortes indícios de fraude, no que tange ao efeito gerador da pensão estatutária'", concluiu.

Clique aqui para ler o voto do relator
MS 29.310

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 23 de fevereiro de 2021, 10h57

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dívidas contraídas no casamento devem ser partilhadas na separação

Legalidade, discricionariedade, proporcionalidade: o controle judicial dos atos administrativos na visão do STJ

OPINIÃO Improbidade: principais jurisprudências e temas afetados pela Lei 14.230/2021