“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

Bala perdida: Estado terá que indenizar jovem atingido na cabeça

Extraído de: COAD  - 07 de Fevereiro de 2012

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A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do estado do Espírito Santo e manteve indenização a vítima de bala perdida. Com 14 anos à época, em 1982, a vítima foi atingida na cabeça durante confronto entre policiais civis e fugitivo. O valor da condenação soma 500 salários mínimos.
Para o Espírito Santo, a decisão da Justiça local se baseou em presunções para afirmar o fato administrativo e exigiu, indevidamente, que o Estado provasse a inexistência de responsabilidade pelo incidente. Além disso, o juiz teria extrapolado o pedido dos autores ao fixar indenização por danos estéticos. O valor dos danos morais também seria excessivo.
Incontáveis disparos
Segundo o ministro Castro Meira, ao efetuar incontáveis disparos em via pública, durante perseguição a criminoso, os policiais agentes estatais colocaram em risco a segurança dos transeuntes. Por isso, o estado responde objetivamente pelos danos resultantes.
Quanto à prova, o ministro afirmou que competia ao próprio estado a conclusão do inquérito policial. Por isso, diante da inexistência de exame de balística do projétil que atingiu a vítima há mais de 29 anos, as provas apresentadas pela autora bastaram.
Ação mal planejada
Conforme o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), o inquérito policial em 1993 ainda não havia sido concluído e os três policiais, em seus depoimentos, confirmaram haver descarregado as armas contra o veículo do fugitivo, que se encontrava ao lado do ônibus em que estava a adolescente. Segundo o TJES, também afirmaram que a operação foi mal planejada pelo delegado.
O ministro Castro Meira apontou jurisprudência do STJ afirmando que, além de o autor ter que demonstrar o nexo de causalidade, o Estado deve provar sua inexistência. Sendo assim, é justamente pela falta da referida perícia que o recorrente não possui meios de comprovar a ausência de tal requisito, bastante para tanto as provas trazidas pela autora, completou. Para o relator, a prova testemunhal analisada pelo TJES é robusta e suficiente para a caracterização da relação de causa e efeito.
Danos morais e estéticos
A indenização foi estabelecida em cem salários mínimos para os danos estéticos e 400 salários para os morais. À época da sentença, os valores correspondiam a R$ 207,5 mil.
Para fixar a compensação, o TJES considerou que a autora perdeu dois terços da massa encefálica com o disparo, ficando comprometida no desempenho de tarefas tão simples quanto bater palmas. Conforme o laudo médico, todo o lado direito do corpo da vítima foi afetado, impondo tratamentos permanentes de neurologia, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, oftalmologia, endocrinologia e diversas cirurgias.
Ao avaliar a razoabilidade do valor fixado para a indenização, o ministro comparou julgamentos similares do STJ. Entre os casos: a manutenção de indenização de R$ 1,14 milhão a policial militar que ficou tetraplégico ao ser ferido dentro de agência bancária por vigia; indenização de 600 salários mínimos por vítima afetada por paraplegia; e R$ 150 mil para vítima de paraplegia flácida. Diante dos precedentes, o relator afirmou que o montante arbitrado pelo TJES é razoável.
Processo: REsp 1236412
FONTE: STJ
Nota - Equipe Técnica ADV: A violência urbana no Brasil cresce vertiginosamente a cada dia. A sensação de medo e de insegurança está ligada ao desrespeito ao direito de ir e vir de cada pessoa de bem, que batalha e paga seus impostos em dia, esperando uma contraprestação positiva do Estado. O mínimo aceitável é a segurança e proteção à incolumidade de cada cidadão.
Isso porque a Constituição Federal positiva a segurança como princípio fundamental, assegurando proteção à integridade patrimonial e extrapatrimonial da pessoa e estabelecendo a obrigação de reparar os danos, independente de culpa. Assim, o artigo 37, parágrafo 6º, estabeleceu a Teoria do Risco Administrativo como fundamento para a responsabilidade civil do Estado.
A discussão jurídica sobre a responsabilidade em casos de "balas perdidas" é complexa. É preciso analisar as hipóteses principais de ocorrência de dano a terceiros, tais como, assaltos em vias públicas, troca de tiros entre marginais, oriunda de confrontos entre policiais e meliantes, na qual um projétil de arma de fogo atinge um terceiro, não sabendo de onde partiu o disparo que causou o resultado danoso.
Não existe consenso entre os Tribunais acerca da responsabilidade civil do Estado na hipótese de um cidadão ser atingido por bala perdida. Há entendimento de que, uma vez comprovado o nexo de causalidade entre o dano e o resultado, impõe-se à Administração Pública o dever de indenizar, desde que o disparo tenha sido proveniente da arma de um agente da Administração. Configura-se, in casu, uma conduta comissiva do Estado e, consequentemente, a falha na prestação do serviço.
Em contrapartida, existem os que sustentam que o nexo de causalidade independe da prova direta de que o projétil tenha sido disparado da arma do policial, bastando a demonstração do embate entre este e os meliantes, sem o qual o injusto não teria ocorrido.
Há fortes argumentos, ainda, quanto à isenção da responsabilidade do Estado, visto que este não é um segurador universal, pois atos violentos são corriqueiros e imprevisíveis, não existindo possibilidade de total prevenção por parte do ente público.
Veja o trabalho elaborado pela Equipe ADV no seguinte Estudo de Caso: Bala perdida - Responsabilidade civil do Estado
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