Extraído de: Enviadas Por Leitores - 25 de Junho de 2012
1. Alguns recentes julgados do Superior Tribunal
de Justiça o ponto de partida para uma nova visão da
responsabilidade civil de provedores
O STJ, em recente decisão, reconheceu a
responsabilidade do provedor para retirar do ar conteúdo ofensivo, depois de
informado pela pessoa que se sente ofendida (STJ - RECURSO ESPECIAL:
REsp 1306066 MT 2011/0127121-0,
Relator Min. Sidnei Beneti):
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR.PROVEDOR.
MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. RETIRADA .
REGISTRO DE NÚMERO DO IP. DANO MORAL. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.
1.- No caso de mensagens moralmente ofensivas,
inseridas no site de provedor de conteúdo por usuário, não incide a regra de
responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do Cód.
Civil/2002, pois não se configura risco inerente à atividade do provedor.
Precedentes.
2.- É o provedor de conteúdo obrigado a retirar
imediatamente o conteúdo ofensivo, pena de responsabilidade solidária com o
autor direto do dano.
3.- O provedor de conteúdo é obrigado a viabilizar a
identificação de usuários, coibindo o anonimato; o registro do número de
protocolo (IP) dos computadores utilizados para cadastramento de contas na
internet constitui meio de rastreamento de usuários, que ao provedor compete,
necessariamente, providenciar.
4.- Recurso Especial provido. Ação de
indenização por danos morais julgada improcedente. (grifos nossos)
A decisão direciona o posicionamento acerca da
responsabilidade dos provedores, especialmente, levando em conta a eticidade
como sustentáculo do sistema.
O caso não é de responsabilidade direta dos
provedores, contudo, depois de informado, o servidor passa a assumir os riscos
pelo que manteve no ar. E diga-se afirmar que isso ou aquilo é ofensivo é algo
muito pessoal, mas deve ser respeitado.
É conhecido um programa de rádio no qual o
locutor telefona para as pessoas e normalmente as chama por apelidos. Na
maioria das vezes, os apelidos, como palavras isoladas, não podem ser
consideradas ofensivas (ex. cavalo, cabeça, orelha, dente). Contudo, percebe-se
a reação das pessoas que demonstram sua extrema insatisfação ao serem chamadas
pelo apelido jocoso, além de extremamente humilhante para elas. Não há como
excluir a ofensa diante da reação das pessoas que sentem o constrangimento pelo
ato. Tudo gira em torno da dignidade. Ninguém pode ser tratado de maneira que
se sinta ofendido, especialmente, fora do razoável e com a utilização de
apelidos. Se um apelido incomoda ou não, somente o apelidado poderá dizer. E o nome
é uma característica protegida da personalidade de todos.
Quando se fala em ofensa, não resta dúvida de
que deva ser excluída do ambiente virtual.
A decisão do Ministro Beneti gerou, na
prática, maior rapidez para a exclusão de conteúdo ofensivo pois co-responsabiliza
o provedor que mantiver as ofensas.
Em 31 de maio de 2012, outra decisão de
relatoria da Ministra Nancy Andrighi, também reconheceu a responsabilidade de
provedor por não excluir mensagem ofensiva da rede:
Os provedores de acesso à internet não têm
responsabilidade objetiva pela veiculação de toda e qualquer mensagem postada
na rede. Entretanto, respondem por conteúdos ofensivos ou dados ilegais caso
não tomem as providências cabíveis para minimizar os danos. Esse foi o
entendimento do STJ ao julgar recurso interposto pela Google Brasil Ltda.
contra um cidadão do Rio Grande do Sul, que pediu para o provedor excluir da
rede página intitulada prendam os ladrões da UniCruz, postado na rede social
Orkut. A Google Brasil foi condenada em primeira instância a pagar R$ 7 mil
pela hospedagem da página, criada por um usuário com perfil falso, e multa
diária de R$ 1 mil caso não retirasse do ar o conteúdo contestado. O Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) confirmou a condenação, com o entendimento
de que a responsabilidade do provedor era do tipo objetiva. A Terceira Turma do
STJ concordou com o valor da condenação, mas entendeu que a responsabilidade
não é objetiva, como foi julgado pelo TJRS. Há que analisar caso a caso, como
destacou a relatora, ministra Nancy Andrighi. O ofendido, no caso, solicitou ao
provedor auxílio para excluir a página da rede, mediante o uso da ferramenta
denunciar abusos existente no Orkut, mas o provedor teria negligenciado o
atendimento, conforme informações do processo. Uma vez ciente da existência de
mensagem de conteúdo ofensivo, o provedor tem o dever de retirá-la
imediatamente do ar, sob o risco de responsabilização, disse a ministra. Nancy
entende que não se pode considerar o dano moral um risco inerente à atividade
dos provedores de conteúdo e não se pode também exigir que fiscalizem todo
conteúdo postado, pois isso eliminaria o maior atrativo da rede, que é a
transmissão de dados em tempo real. No entanto, a mera disponibilização de um
canal para denúncias não é suficiente. É crucial que haja a efetiva adoção de
providências tendentes a apurar e resolver as reclamações formuladas, mantendo
o denunciante informado das medidas tomadas, sob pena de criar uma falsa
sensação de segurança e controle, disse a ministra. [3]
2. Desafiando o modelo clássico de
responsabilidade civil?
O modelo clássico de responsabilidade civil
parte de pressupostos caracterizadores da obrigação de indenizar, sendo: (a) a
ação ou omissão, (b) o dano e (c) o nexo de causalidade.
Maria Helena Diniz define a responsabilidade
civil como: A aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral
ou patrimonial causados a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado,
por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de
simples imposição legal. [4]
Pablo Stolze e R. Pamplona explicam que a
responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse que é eminentemente
particular, sujeitando o autor ao pagamento de uma compensação pecuniária à
vítima, no caso de não poder repor o estado anterior das coisas. [5]
Para Sérgio Cavalieri Filho [6] responsabilidade civil é um
dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação
de um dever jurídico originário. Só se cogita, destarte, de responsabilidade
civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras,
responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de
um precedente dever jurídico
No caso em discussão, como salientado no voto
da Ministra se trata de uma relação de consumo, regulada pelo Código de Defesa do Consumidor: Vale
notar, por oportuno, que o fato de o serviço prestado pelo provedor ser
gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo mediante remuneração,
contido no artigo 3º, parágrafo 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de
modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.
Discute-se, ainda se haveria responsabilidade
na forma preconizada pelo art. 927, par.único do Código
Civil, que também foi afastada, para os casos dos provedores.
Isso porque, como em outras situações de
vigilância em massa, utilização de meio, concausas, não se pode responsabilizar
outros, senão aquele que efetivamente causou o dano.
A decisão, que abre um paradigma nesse
sentido, define claramente que em situações como a ocorrida, se houver
negligência depois do conhecimento do fato, há a responsabilização.
Em situações semelhantes a culpa é demonstrada
e gera a responsabilidade, especialmente depois de o provedor ter conhecimento
de que o conteúdo gera constrangimento a alguém.
E volta-se ao quanto já se colocou. Não se
trata de violação à liberdade de expressão, mas de abuso em seu exercício que,
depois de noticiado, deve gerar sua retirada do ar.
Não, não existe um desafio ao modelo clássico.
Apesar de sempre se alegar que não há nexo entre o dano e algum ato do
provedor, passa a existir, assim que o provedor toma conhecimento da ofensa,
passa também a permitir a violação de direitos da personalidade, sendo
concorrentemente culpado pelos danos.
As decisões adequam ao sistema atual as
situações de violação de direitos da personalidade por divulgação de ofensas na
rede. Como em outras situações de vigilância em massa, não pode o vigilante ser
penalizado por tudo que ocorrer, mas apenas quando deixar de tomar providência
essencial e específica, sendo responsabilizado por deixar de agir nas situações
em que deveria e tinha conhecimento.
Em termos semelhantes é a responsabilidade do
Estado pela atuação policial. O Estado, conquanto responda objetivamente (CF, art. 37), não pode ser
responsabilizado por todos os crimes em todos os lugares, mas responderá se
houver falha na prestação dos serviços.
Há no Brasil o Projeto de Lei n. 4.906, de
2001, do Senado Federal, no qual se estabelece esse modelo de responsabilidade,
a exemplo do que já se estabeleceu nos Estados Unidos (Telecomunications Act) e
na Europa, por uma Diretiva Comunitária (ausência de obrigação geral de
vigilância), sempre se determinando aos provedores providências no sentido de
eliminar conteúdo impróprio.
Lembrando que nem tudo pode ser encarado como
liberdade de expressão puramente. Como já dissemos, a liberdade de expressão é
ampla e se deve banir todo o tipo de censura, mas o exercício da liberdade de
expressão não é absoluto.
3. Conclusões
As recentes decisões do Superior Tribunal de
Justiça regulam a responsabilidade dos provedores, reconhecendo-a, sempre que
houver negligência na exclusão de informações ofensivas ou impróprias, ainda
que tenha afastado a responsabilidade objetiva, preconizada pelo art. 927, par.
ún. do Código
Civil.
Cria-se um novo paradigma para tais casos em
que se reconhece a ausência de obrigação geral de vigilância, mas a obrigação
de fazer, a partir do momento em que há ciência da violação ou abuso de
direitos.
O entendimento privilegia a eticidade do
sistema, a preservação da boa-fé e tutela da confiança.
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[1] Doutor em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e pela Faculdade de Direito
da PUC/SP. O presente escrito foi produzido a partir do grupo de estudos da Tutela jurídica da pessoa humana no
âmbito da Internet em face da Sociedade da Informação registrado no CNPQ.
[2] Advogado em São Paulo.
[3] Fonte STJ, notícia
publicada em maio de 2012.
[4] DINIZ, Maria Helena. Curso
de direito civil: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v.
7. p. 7.
[5] GAGLIANO, Pablo Stolze;
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2004.
p. 8.
[6] CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de responsabilidade civil. 5. ed. rev., aum. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 40.
Autor: Antonio
Rulli Neto e Renato A. Azevedo
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