
29/10/2012 09h24
Eliane Castanhêde (Folha de S. Paulo de 23.10.12, p. A2) escreveu: “Mais
que condenar réus tão emblemáticos, o STF mandou um recado ao país e aos
poderosos. A partir de ontem (22.10.12), criminosos de colarinho branco que se
associarem para desvios e assaltos aos cofres públicos estarão juridicamente
nivelados aos PPP (pobres, pretos e prostitutas) que, historicamente, habitam
nossas cadeias”.
No artigo quatro são os “pês” reconhecidos: pobres, pretos, prostitutas
e políticos. A esses temos que agregar o quinto, que é o “pê” dos policiais,
que hoje também representam uma quantidade expressiva do encarceramento
global.
A novidade, no entanto, é a condenação de vários emblemáticos (vinte e
cinco no total) de uma só vez. O tempo dirá se essas condenações dos poderosos
foram passageiras ou expressão de uma nova tendência criminal, que estou
chamando (no novo livro que escrevi: Populismo penal midiático, no
prelo) de disruptiva.
O populismo penal conservador clássico se volta contra pessoas
estereotipadas e seus semelhantes. Ambientado em terrenos de prosperidade do
capitalismo de acumulação primitiva (K. Marx) - que resultou agravado desde os
anos 90 pelo neoliberalismo e neoconservadorismo -, ostenta fortes componentes
emocionais e irracionais (vingativos) ao postular, de forma extremista, radical
e fundamentalista, para além de mais vigilância e mais controle da sociedade, o
máximo rigor penal (das leis, das práticas institucionais e da execução penal),
contra alguns criminosos (violentos e/ouestereotipados,
incluindo-se os excluídos ou excedentes), da forma mais rápida, econômica,
eficiente e informal possível, como única (ou tendencialmente única) “solução”
para o problema da criminalidade (e da insegurança).
O estereotipado, desde o final dos anos 80, passou a cumprir o mesmo
papel (de inimigo) que a ameaça ideológica representou para a política de
segurança nacional (nos anos 60, 70 e até meados de 80). O populismo penal não
tem nada a ver com as utopias do comunismo (bem-estar do proletariado) nem do
fascismo ou nazismo (superioridade das raças puras) (Todorov: 2012, p. 156). O bem que
ele promete (messianicamente) é outro: é o bem-estar da população que seria
alcançado por meio da punição severa, que é alcançada por meio do exercício
discriminatório do poder (ou do biopoder, diria Foucault).
Populismo penal disruptivo. Paralelamente ao populismo penal conservador clássico existe
também o populismo penal conservador disruptivo, que é assim
chamado porque se volta contra os iguais (ou considerados mais ou menos iguais,
gente das camadas sociais mais elevadas), ou seja, contra os suspeitos das
classes sociais dominantes ou superiores, contra os poderosos, tratando-os, no
entanto, também como desiguais (inimigos). O escopo de punir os poderosos lembra
as teses progressistas da criminologia crítica, dos anos 70 (Taylor, Walton e
Young, autores do clássico Nova Criminologia, Baratta, Lola etc.),
mas não se pode vislumbrar nada de progressista no populismo penal, que é
estruturalmente conservador.
A bandeira do populismo penal disruptivo é a universalização (ou
democratização) da persecução penal, ou seja, todos devem ser perseguidos
criminalmente (não somente os marginalizados). Ator desse movimento é o
legislador disruptivo que, fundado no princípio da igualdade, tende a aprovar
leis com os mesmos rigores punitivos tradicionalmente reservados para as
classes de baixo (underclass) (I Saborit: 2011, p. 85). Também essa
modernização do direito penal, que retrata a expansão extensiva do direito
penal, vem acompanhada de mais punitivismo. Caso ganhe força e sistematicidade
o populismo penal disruptivo tem suficiente energia para universalizar para
todos a incidência do poder punitivo estatal, gerando o encarceramento não só
dos tradicionais 4 pês (pobres, pretos, prostitutas e polícias), senão
também dos políticos (que arrastam com eles banqueiros, bicheiros, construtores
etc.).
Comentários
Postar um comentário