STF julga parcialmente inconstitucional emenda dos precatórios
Quinta-feira, 14 de março de 2013
O Plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, julgou parcialmente procedentes as
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425 para declarar a
inconstitucionalidade de parte da Emenda Constitucional 62/2009, que instituiu
o novo regime especial de pagamento de precatórios. Com a decisão, foram
declarados inconstitucionais dispositivos do artigo 100 da Constituição
Federal, que institui regras gerais para precatórios, e integralmente
inconstitucional o artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), que cria o regime especial de pagamento.
O regime especial
instituído pela EC 62 consiste na adoção de sistema de parcelamento de 15 anos
da dívida, combinado o regime que destina parcelas variáveis entre 1% a 2% da receita
de estados e municípios para uma conta especial voltada para o pagamento de
precatórios. Desses recursos, 50% são destinados ao pagamento por ordem
cronológica, e os valores restantes a um sistema que combina pagamentos por
ordem crescente de valor, por meio de leilões ou em acordos diretos com
credores.
Na sessão desta
quinta-feira (14), a maioria dos ministros acompanhou o relator, ministro Ayres
Britto (aposentado), e considerou o artigo 97 do ADCT inconstitucional por
afrontar cláusulas pétreas, como a de garantia de acesso à Justiça, a
independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada. O redator do
acórdão, ministro Luiz Fux, anunciou que deverá trazer o caso novamente ao
Plenário para a modulação dos efeitos, atendendo a pedido de procuradores
estaduais e municipais preocupados com os efeitos da decisão sobre
parcelamentos em curso e pagamentos já realizados sob a sistemática da emenda.
Artigo 100
Na sessão de
quarta-feira (13), o Plenário já havia decidido pela inconstitucionalidade de
dispositivos do artigo 100 da Constituição Federal, com a redação dada pela
emenda, considerando parcialmente procedentes as ADIs em pontos que tratam da
restrição à preferência de pagamento a credores com mais de 60 anos, da fixação
da taxa de correção monetária e das regras de compensação de créditos.
Ministro Luiz Fux
O ministro Luiz Fux
reiterou os fundamentos de seu voto-vista concluído na sessão de ontem
(13), posicionando-se no mesmo sentido do relator, pela inconstitucionalidade
das regras da EC 62. De acordo com o ministro Fux, a forma de pagamento
prevista no parágrafo 15 do artigo 100 da Constituição Federal e detalhada pelo
artigo 97 do ADCT é inconstitucional. Ele considerou, entre os motivos, o
desrespeito à duração razoável do processo, uma vez que o credor quer um
resultado palpável para a realização do seu direito de receber a quitação da
dívida.
Na opinião do
ministro Fux, “não se pode dizer que a EC 62 representou um verdadeiro avanço
enquanto existir a possibilidade de pagamento de precatório com valor inferior
ao efetivamente devido em prazo que pode chegar a 80 anos”. O ministro destacou
ainda que esse regime não é uma fórmula mágica, viola o núcleo essencial do
estado de direito. “É preciso que a criatividade dos nossos legisladores seja
colocada em prática conforme a Constituição, de modo a erigir um regime
regulatório de precatórios que resolva essa crônica problemática institucional
brasileira sem, contudo, despejar nos ombros do cidadão o ônus de um descaso
que nunca foi seu”, afirmou.
Ministro Teori
Zavascki
O ministro Teori
Zavascki manteve a conclusão de seu voto, pela improcedência das ADIs, também
já proferido ontem (13). “Continuo entendendo que a disciplina relativa ao
pagamento de precatório está dentro do poder constituinte derivado, e continuo
achando que é um exagero supor que a disciplina dessa matéria possa atentar
contra a forma federativa de Estado; voto direito, secreto, universal e
periódico; separação de poderes; ou que tenda a abolir direitos e garantias
individuais”, salientou.
O ponto central do
debate, conforme ele, é a conveniência ou não da fórmula encontrada pela EC 62
para solucionar a questão. Para o ministro Teori Zavascki, o Supremo tem que
estabelecer como parâmetro não o que entender como ideal para o pagamento de
precatório, mas deverá ser feita uma escolha entre o sistema anterior e o
sistema proposto pela emenda. “Não podemos fugir de uma verdade: que o modelo
anterior era mais perverso ainda. Os estados inadimplentes estão inadimplentes
há 15, 20 anos ou mais”, disse.
Ministr Rosa Weber
A ministra Rosa
Weber acompanhou integralmente o voto do relator no sentido da procedência das
duas ADIs e julgou inconstitucional o sistema especial preconizado pela EC 62.
“Subscrevo, na íntegra, os fundamentos do voto do relator, ministro Ayres
Britto, quando conclui que os dois modelos especiais para pagamento
de precatórios afrontam a ideia central do Estado democrático direito, violam
as garantias do livre e eficaz acesso ao Poder Judiciário, do devido processo
legal e da duração razoável do processo e afrontam a autoridades das decisões
judiciais, ao prolongar, compulsoriamente, o cumprimento de sentenças judiciais
com trânsito em julgado”, afirmou ela. “Não se trata de escolher entre um
e outro regime perverso”, observou ela. “Ambos são perversos. Teremos que achar
outras soluções”.
Ministro Dias
Toffoli
Para o ministro
Dias Toffoli, o artigo 97 do ADCT, segundo a redação dada pela EC 62, não
ofende a coisa julgada, pois não interfere no valor da condenação. O ministro
citou ainda o decidido na ADI 1098, segundo o qual todo o processo de
precatório tem caráter administrativo. Para o ministro, a EC 62 não
ofende cláusula pétrea, o Poder Judiciário nem a coisa julgada. “O que a emenda
tentou fazer foi dar racionalidade ao sistema, instituindo também uma série de
responsabilizações ao Estado”, afirmou o ministro, votando pelo indeferimento
do pedido feito nas ADIs.
Ministra Cármen
Lúcia
Acompanhando o
relator pela procedência das ADIs em relação ao parágrafo 15 do artigo 100 e em
relação ao artigo 97 do ADCT, a ministra Cármen Lúcia entendeu que há, sim,
ofensa à Constituição Federal no texto da Emenda Constitucional. Segundo ela, o
valor da condenação é definido judicialmente, e há ofensa à Constituição
Federal se um regime não oferece solução para o credor. “Não é por
reconhecer que o sistema anterior era pior que eu poderia dar o meu aval”,
afirmou. “Não seria honesto comigo, nem com o cidadão”.
A ministra chamou
atenção para o disposto no parágrafo 15 do artigo 100, que prevê a
possibilidade de lei complementar federal estabelecer regime especial de
pagamento, ao que se antecipou o artigo 97 do ADCT, fixando um na forma
especifica. “O que é preciso que seja lido, e o que os procuradores dos estados
certamente verificaram, é que há outros caminhos postos, que não só esse
regime. Até mesmo aquele apontado no parágrafo 16 do artigo 100, que permite
que a União possa financiar diretamente os Estados para perfazer os
precatórios” afirmou.
Ministro Gilmar
Mendes
O ministro Gilmar
Mendes, que na sessão no dia 6 de março já havia votado pela improcedência das
ADIs, acrescentou, na sessão de hoje, que considera a legislação atual um
avanço, pois o modelo de cálculo de correção monetária de precatórios em vigor
anteriormente praticamente impossibilitava o pagamento das dívidas dos
estados. De acordo com o ministro, a EC 62 é uma fórmula de transição com
o objetivo de superar um estado de fato inequivocamente inconstitucional. “Mas
não é inconstitucional desde a Emenda 62, na verdade estamos a falar de débitos
que se acumularam ao longo do tempo”, sustentou.
O ministro afirmou
que, segundo dados do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais, o novo modelo
institucional, que determina a vinculação de receitas e prazo máximo para quitação,
criou um quadro diferente e permitiu que diversos estados paguem suas dívidas
judiciais, além de possibilitar a outros que aumentassem significativamente o
valor dos créditos. Ele citou, entre outros, o caso de São Paulo, cujo passivo
de precatórios caiu de R$ 19 bilhões, em 2009, para R$ 15 bilhões em dezembro
de 2012.
De acordo com o
ministro, caso haja retorno à regra original da Constituição de 1988, pois a
vigência da Emenda 30 sobre o mesmo assunto também está suspensa, restará ao
Tribunal apenas a opção de declarar intervenção nos estados para garantir a
coisa julgada e o direito adquirido. “A medida vem cumprindo essa função. Qual
é o sentido de declarar sua inconstitucionalidade e retornar ao texto original?
Para dizer que o caos é o melhor que a ordem?”, questionou.
Ministro Marco
Aurélio
Em relação ao
artigo 97 do ADCT, o ministro Marco Aurélio julgou parcialmente procedentes as
ADIs. Para ele, o regime especial trazido pela nova redação do artigo está
limitado aos débitos vencidos, caso contrário, o sistema se perpetuaria. “Não
pode esse regime especial de pagamento ultrapassar esse período de 15 anos, sob
pena de perpetuarmos a situação que o motivou”, avaliou o ministro, ressaltando
que o artigo 97 deveria viger por período certo. De acordo com ele, se o
sistema é transitório, “ele não pode transitar no tempo de forma
indeterminada”, uma vez que a EC 62 visou afastar o impasse da não satisfação
de valores à época.
“Se não houver a
liquidação dos débitos em 15 anos é porque realmente não há vontade política de
se observar o que quer a Constituição Federal, que a todos indistintamente
submete”, salientou. Ele acrescentou que o titular de precatório que fizer, a
qualquer tempo, sessenta anos de idade, terá preferência.
Quanto ao índice da
caderneta de poupança para atualização dos créditos, o ministro afastou tal
incidência. “O que se tem na caderneta é um todo que confunde a reposição do
poder aquisitivo com os juros, a junção”, disse. O ministro lembrou que, na
análise do artigo 100, ele votou afastando não só a reposição do poder
aquisitivo pelo índice utilizado quanto à caderneta de poupança, como também
afastando os juros da caderneta.
Ao analisar os
dispositivos questionados nas ADIs, o ministro concluiu pela
supressão de algumas expressões. “Onde tivermos que podar o artigo 97 para
tornar realmente suprema a Constituição Federal, devemos podar”, disse.
Ministro Ricardo
Lewandowski
O voto do ministro
Ricardo Lewandowski acompanhou o do ministro Marco Aurélio em alguns pontos, no
sentido de afastar expressões contidas no artigo 97 do ADCT. Ele declarou
inconstitucionais partes dos dispositivos que tratam da atualização dos
créditos com base no índice da caderneta de poupança (inciso II do parágrafo 1º
e parágrafo 16 do artigo 97 do ADCT), mas admitiu os juros de mora com base
nesse índice.
No parágrafo 2º do
mesmo dispositivo, o ministro retira a expressão “e a vencer”, por entender que
a moratória não pode ultrapassar os 15 anos e, no artigo 17, dá interpretação
conforme para observar o preceito apenas quanto aos precatórios vencidos à
época da promulgação da norma. O artigo 14 também recebeu do ministro
interpretação conforme para limitar o regime especial ao prazo de 15 anos.
Finalmente, em relação ao artigo 18, seu voto estende a preferência aos
credores com mais de 60 anos a qualquer tempo, e não apenas na data da
promulgação da emenda.
Quanto aos demais
dispositivos, que considerou constitucionais, o ministro observou que a emenda
constitucional foi resultado de amplo debate no Congresso Nacional, com a
participação de todas as lideranças partidárias, a fim de encontrar solução
para a crise vivida à época pelas fazendas públicas estaduais e municipais.
“Quem viveu esse período, seja no Judiciário, na administração ou como credor
da fazenda pública, viveu essa experiência lamentável”, destacou.
Ministro Celso de
Mello
O ministro Celso de
Mello acompanhou integralmente o voto do relator no sentido da
inconstitucionalidade do novo regime de pagamento de precatórios. Endossou,
nesse sentido, observação do relator segundo a qual “o desrespeito à
autoridades da coisa julgada – no caso, débitos de estados, do Distrito Federal
e municípios já constituídos por decisão judicial – ofende valores tutelados
com cláusulas pétreas inscritas na Constituição Federal (CF) de 1988, tais como
a independência dos poderes, o respeito aos direitos humanos e, também, à
própria coisa julgada.
O ministro Celso de
Mello observou que desrespeitar a coisa julgada é o mesmo que desrespeitar uma
norma legal. Ele disse que, ao aprovar o terceiro adiamento do pagamento dos
precatórios previsto pela EC 62 – após norma inscrita na CF de 88 e a posterior
edição da EC 30/2000 –, o Congresso Nacional exorbitou dos limites de mudança
da Constituição estabelecidos por ela própria, por ofender princípios pétreos
que não são suscetíveis de mudança legislativa. Segundo ele, no Estado
democrático de direito, o Estado não apenas dita normas jurídicas, mas também
se sujeita a elas, respondendo por danos que venha a causar.
Ministro-presidente
O presidente do
STF, ministro Joaquim Barbosa, também acompanhou o relator e declarou
parcialmente procedentes as ADIs 4357 e 4425 para julgar inconstitucional
o parágrafo 15 do artigo 100 e o artigo 97 do ADCT. O ministro considerou
inconstitucional o regime especial de pagamento uma vez que, a seu ver, a
modalidade de moratória instituída pela Emenda Constitucional 62 não tem limite
temporal definido. Como o devedor deve depositar para pagamento dos credores
uma porcentagem do valor da sua receita, e não do estoque de precatórios, a
moratória durará enquanto a dívida for maior que o volume de recursos
disponíveis.
“Por essa razão eu
considero correta a afirmação do ministro Ayres Britto de que algumas unidades
federadas podem levar dezenas de anos para pagar os precatórios”, afirmou. “Por
isso, a meu ver, impor ao credor que espere pelo pagamento tempo superior à
expectativa de vida média do brasileiro retira por completo a confiança na
jurisdição e a sua efetividade”. Ele observou que mesmo a modalidade que impõe
o parcelamento em 15 anos estipula prazo excessivamente elevado, e também
destacou que o sistema de acordos e leilões de precatórios configura-se muito
danoso para os credores, uma vez que alguns deles, dado a falta de perspectiva
de pagamento, estariam a receber apenas 25% do valor integral de seu crédito.
Resultado
Dessa forma, o
Tribunal julgou parcialmente procedentes as ações nos termos do voto do
relator, ministro Ayres Britto, acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Rosa
Weber, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o presidente, Joaquim Barbosa. Os
ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski votaram pela procedência das
ADIs, em menor extensão. Votaram pela total improcedência os ministros Gilmar
Mendes, Teori Zavascki e Dias Toffoli.
Redação/AD
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=233520
Comentários
Postar um comentário