“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

A Eficácia Social da “PEC das Domésticas”


LIANA WEBER PEREIRAAdvogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Especializada em Propriedade Intelectual pela Agência de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Atualmente trabalha no Bana Franco, Vilela Neto e Andreasi Advocacia.
01/04/2013 08h12


Entende Paulo de Barros, professor de Direito Tributário e conhecido doutrinador, que a norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito 1 . Isto porque, entende ele, a norma jurídica é a significação obtida a partir da leitura do direito positivo.

Miguel Reale, o qual dispensa titulações, por sua vez, discorre acerca da eficácia social desta norma, lecionando que :

“[...] os legisladores podem promulgar leis que violentam a consciência coletiva, provocando reações por parte da sociedade. Há leis que entram em choque com a tradição de um povo e que não correspondem aos seus valores primordiais. Isto não obstante, valem, isto é, vigem.
Há casos de normas legais que, por contrariarem as tendências e inclinações dominantes no seio da coletividade, só logram ser cumpridas de maneira compulsória, possuindo, desse modo, validade formal mas não eficácia espontânea no seio da comunidade.”

Ignorando-se a discussão acerca de quais seriam os valores primordiais da sociedade brasileira, para que o presente artigo não se torne demasiadamente pessimista, o que se percebe da Proposta de Emenda Constitucional nº 66/2012, conhecido como “PEC das Domésticas”, aprovada em 26 de março de 2013, é que esta, ao ultrapassar o âmbito legislativo, chega à sociedade causando mais insegurança jurídica a empregadores e empregados do que satisfazendo as necessidades decorrentes do vínculo entre eles existente.

Do ponto de vista constitucional é óbvio que os direitos agora conferidos aos empregados domésticos representam um avanço. O mesmo já não pode ser dito quando o foco recai sobre o juízo ou pensamento que se faz do novo texto legal. Explica-se.

A mencionada PEC confere aos empregados domésticos todos os direitos reconhecidos aos empregados urbanos, tal qual a irredutibilidade salarial, a remuneração pelo labor extraordinário, o adicional noturno, o salário-utilidade, os intervalos intra e interjornada, o repouso semanal remunerado, dentro outros, ampliação esta feita sob fundamento de que 2:

“[...]  sabemos que, seguramente, equalizar o tratamento jurídico entre os empregados domésticos e demais trabalhadores elevará os encargos sociais e trabalhistas. Todavia, o sistema hoje em vigor, que permite a existência de trabalhadores de segunda categoria, é uma verdadeira nódoa na Constituição democrática de 1988 e deve ser extinto, pois não há justificativa ética para que possamos conviver por mais tempo com essa iniquidade.”

Pergunta-se: a ampliação dos direitos, a qual não leva em consideração as particularidades do emprego em âmbito doméstico, realmente assegurará que os trabalhadores sejam beneficiados, ou, ao contrário, promoverá a informalidade e a dispensa de muitos que hoje exercem a função?

O empregador, que não aufere lucro com a atividade de seu empregado ou que o obtém apenas de maneira indireta, optará por suportar tamanhos encargos ou substituirá seu empregado por diaristas? As próprias empregadas domésticas, que muitas vezes precisam remunerar alguém para cuidar de suas casas a fim de que possam trabalhar, poderão, também, nessa situação permanecer?

Ademais, como poderão empregadores e empregados controlar a jornada de trabalho? Os intervalos dentro e após esta jornada? Como os empregadores poderão aplicar reflexos de horas extras, calcular adicionais noturnos e repousos semanais remunerados, enfim, cumprir as exigências de agora feitas pela legislação?

Atualmente, segundo parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal (o qual pode ser conferido na íntegra no site do próprio Senado), existem 7 (sete) milhões de empregados domésticos dos quais apenas 1 (um) milhão possuem carteira assinada. E com a vigência da PEC, quantas carteiras de trabalho serão anotadas?

Ao que parece, a PEC das Domésticas, que ignorou a realidade brasileira e não ponderou as peculiaridades de tal labor, representará avanços tão somente nas esferas da validade formal e ética e não na da eficácia social. Revisitando e parafraseando Miguel Reale, porém, espera a presente articulista que a sociedade consiga viver o Direito e como tal reconhecê-lo, porque tão somente após reconhecido, é que será incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade.

1. Carvalho, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. Pg. 8 2. Reale, Miguel. Lições preliminares de direito. 18. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 1991. Pg. 112 e 113 3. http://legis.senado.gov.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/123851.pdf

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