05/08/2013 09h40
NESTOR SAMPAIO PENTEADO FILHO - Delegado de Polícia Corregedor Geral de São Paulo; Mestre em
Direito Processual Penal; Professor de Direitos Humanos das Vídeoaulas OAB
Nacional Editora Saraiva; Autor e coordenador de diversas obras jurídicas
publicadas pela Editora Saraiva.
O STF, em decisões recentes, vinha
fixando entendimento de que restava impossível a prisão civil do depositário
infiel, por força da aderência do Brasil aos principais pactos internacionais
de direitos humanos, dentre os quais a Convenção Americana (Pacto de San José
da Costa Rica de 1969). Advertia a Suprema Corte de o dispositivo esculpido no
art. 5º, LXVII da CF apenas fundamentava a prisão civil do devedor de
alimentos. Nesse sentido, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(ONU, 1966), ao qual o Brasil aderiu, impede a prisão civil do depositário
infiel (art. 11), encontrando-se dispositivo similar na Convenção Americana de
Direitos Humanos, igualmente assinada pelo governo brasileiro (art.7º, §
7º).
Instalou-se controvérsia na medida em
que os dispositivos acima aludidos dos tratados internacionais entrechocar-se-iam
com a norma do art. 5, LXVII, CF de 1988 que reza: “não haverá prisão
civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Tal antinomia acabou levando ao questionamento
da vigência e hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no
Brasil, conforme reza o art. 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988. Houve
época em que o STF entendia que os tratados internacionais de direitos humanos
aderidos pelo Brasil valiam como norma ordinária (década de 1970), embora uma
corrente minoritária defendesse um status constitucional para aqueles pactos,
em face da dignidade humana. A EC n. 45/2004 aparentemente solucionou a questão
ao acrescer o § 3º ao art. 5º, CF que atribui status constitucional aos
tratados de direitos humanos que o Brasil venha a aderir, contanto que seu
Decreto Legislativo submeta-se ao mesmo processo legislativo especial de
aprovação de emendas à Carta (duplo turno de votação e quórum qualificado de
3/5 para aprovação). No entanto, ficava uma dúvida: e o Pacto de San José que o
Brasil ratificou em 1992? Qual seria seu status? Uma corrente doutrinária
majoritária, liderada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho via-o com status de
lei comum, ao passo que Flávia Piovesan, sob o argumento interessante de que se
a CF não exclui outros direitos advindos de pactos (art. 5, § 2º),
necessariamente ela os inclui na ordem vigente como norma constitucional,
máxime à vista da dignidade humana e do preceito pro homine. Porém, o STF, no
RE nº. 466.343, acabou por situar a questão em um meio termo, cuidando de
atribuir ao Pacto de San José status desupra-legalidade (acima da
lei ordinária, mas abaixo da CF) e conseguintemente paralisando a eficácia de
todas as normas infraconstitucionais que disciplinavam a prisão por depósito
infiel.
Ainda, com relação ao depositário
infiel, que recebia judicialmente a coisa ou em virtude de um acordo de
vontades, este tinha o dever de depósito fiel do bem; caso descumprisse,
incidia na possibilidade de prisão, que podia ser decretada após o trânsito em
julgado em ação de depósito (CPC, art. 704), ou no trâmite de qualquer execução,
em desfavor do depositário judicial, consoante entendimento jurisprudencial
(1). Por outro lado, o depositário infiel na alienação fiduciária não recebe o
bem de terceiro em depósito, mas, sim, o adquire, não se cuidando de coisa
alheia, mas própria.
A CF autoriza a regulamentação das
duas únicas formas de prisão civil, embora com a autoridade que lhe é
particular Flavia Piovesan (2) pense diferentemente.
Ressalte-se que o STF firmara
entendimento no sentido da constitucionalidade da prisão do depositário infiel
(HC n. 72131, sessão de 23/11/95), todavia o mesmo Colendo STF, no RE nº.
466.343/SP (relator Min. Cézar Peluso), como já se disse, por meio do Ministro
Gilmar Mendes (voto-vista) asseverou entendimento de que a prisão do
depositário infiel, vedada pelo art. 7º, VII do Pacto de San José, também o
deve ser na ordem jurídica nacional, pois, apesar de o Pacto de San José não
ter ingressado no ordenamento pátrio com status de norma constitucional, por
veicular direitos humanos assume ele papel ou posição prevalente sobre as
normas ordinárias.
Assim, o Pacto de San José é
hierarquicamente inferior à CF, porém acha-se acima das leis ordinárias (norma
supra-legal).
Os demais ministros do STF
acompanharam-no, entendendo que hodiernamente só vige a prisão civil por dívida
alimentar, valendo ressaltar que nesse julgamento o STF reconheceu, finalmente
(5 votos x 4 votos) o valor supra legal dos tratados de direitos humanos já
vigentes no Brasil.
Havia 2 correntes no STF: 1ª)
capitaneada pelo Min. Gilmar Mendes no sentido de que os tratados de direitos
humanos assumem posição supra legal (tese vencedora); 2ª) liderada pelo Min.
Celso de Mello, que propugna pelo valor constitucional dos tratados.
Prevaleceu a primeira corrente,
embora dois ministros não tenham votado.
Em decisão recente, de 16/12/2009, o Pleno
do STF aprovou por unanimidade a seguinte proposta de Súmula
Vinculante nº 31 – “É ilícita a prisão civil de depositário
infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
Doravante restam superadas quaisquer
dúvidas sobre o assunto.
Comentários
Postar um comentário