“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

O STF e os dez anos do Estatuto do Idoso

Terça-feira, 01 de outubro de 2013


O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) foi publicado, não por acaso, no dia 1º de outubro, há exatos dez anos, em homenagem ao Dia Internacional do Idoso. A data especial foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em alusão à Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, realizada em 1982, na Áustria. A mesma data foi escolhida para a criação de um dia nacional dedicado aos brasileiros sexagenários em diante.

É considerada idosa, para efeitos da lei, a pessoa com pelo menos 60 anos de idade. No Supremo Tribunal Federal (STF), tramitam processos que discutem direitos dos idosos, como a abusividade ou não do reajuste de mensalidades de planos de saúde com base na idade, desaposentação e transporte gratuito interestadual, surgidos a partir da edição do estatuto.

O Estatuto 

A Lei 10.741 obriga a família, a sociedade e o Poder Público a assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. O estatuto prioriza também o acesso à Justiça e o recebimento de restituição do imposto de renda, e criminaliza o abandono, a discriminação e outras formas de maus tratos contra os idosos.

Com a legislação específica, passageiros de mais idade conquistaram o direito à reserva de dois lugares gratuitos no transporte coletivo interestadual e o pagamento de meia-entrada nos demais assentos. A conquista, entretanto, foi contestada no STF, bem como o pagamento do benefício de prestação continuada e a proibição da cobrança diferenciada pelos planos de saúde aos idosos que assinaram contrato antes da entrada em vigor do estatuto.

O Estatuto do Idoso traz avanços ao instituir o atendimento especializado nas áreas de geriatria e gerontologia na rede pública de saúde, o fornecimento gratuito de medicamentos, especialmente os de uso continuado, e de próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. Prevê ainda o direito à meia-entrada em eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer e o acesso preferencial aos respectivos locais.

Também fica proibida qualquer forma de discriminação ao idoso no mercado de trabalho e no exercício profissional, sendo a idade mais avançada um critério de desempate nos casos de concurso público. Na área de assistência social, o estatuto garante o pagamento de um salário mínimo como benefício de assistência continuada à pessoa com mais de 65 anos que não tenha meios de prover sua subsistência, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas).

Fenômeno mundial

O Brasil passa por um processo de envelhecimento acelerado de sua população. Nos últimos 20 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de idosos no país dobrou. Entre 2001 e 2011, houve um aumento da população idosa de 15, 5 milhões para 23,5 milhões. Dados divulgados em agosto deste ano apontam que, em 2060, um quarto da população brasileira será de pessoas com mais de 65 anos, ou seja, cinco anos a mais que o mínimo fixado em lei para que uma pessoa seja considerada idosa.

Mas a escalada de envelhecimento não é um fenômeno nacional. A população mundial está passando pelo mesmo processo, com o aumento da expectativa de vida. Segundo estimativas do Fundo de Populações das Nações Unidas, uma em cada nove pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, e a expectativa é de que em 2050 a população de idosos seja de dois bilhões de pessoas.

No Brasil, a expectativa de vida é de 74,8 anos, sendo 71,3 anos para os homens e 78,5 anos para as mulheres. No Japão, país que se orgulha da longevidade de sua população e dedica um feriado nacional aos idosos na terceira segunda-feira de setembro, a expectativa de vida é de 86 anos para as mulheres e 80 anos para os homens. Mas a longevidade de muitos japoneses vai além, e o país tem mais de 54 mil pessoas com mais de 100 anos de idade, segundo o Ministério da Saúde daquele país.

Aposentadoria compulsória

Se na iniciativa privada há aqueles que se aposentam e retornam ao mercado de trabalho ou optam por continuar trabalhando enquanto tiverem vontade, disposição ou necessidade, no setor público há muitos que são contra a imposição da aposentadoria aos 70 anos, fixada pela Constituição Federal no artigo 40, parágrafo 1º, inciso II. Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, ambos com mais de 20 anos de STF, já se posicionaram contrariamente à compulsória.

O ministro Marco Aurélio já deu declarações classificando como “castigo” a imposição legal para a aposentadoria no setor público e manifestou-se sobre o tema em plenário. “A aposentadoria há de representar uma recompensa, nunca um castigo, para quem, pelo tanto que se dedicou à causa pública, merece ao menos ser considerado digno e apto a concluir, por si mesmo, já ter cumprido a própria jornada”, afirmou o ministro em 2008, na solenidade de homenagem ao centenário de nascimento dos ministros Olavo Bilac Pinto e Raphael de Barros Monteiro, ambos aposentados por limite de idade. Para o ministro Marco Aurélio, “devem-se repensar preceitos constitucionais que arbitrariamente imprimem limite não biológico à capacidade produtiva de um ser humano, que restringem o exercício livre do universal direito ao trabalho”.

É compulsória a aposentadoria de funcionário público da União, estados, municípios e Distrito Federal dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário quando estes atingem a idade limite de 70 anos. Mas não foi sempre assim. Conforme relatou o ministro Celso de Mello, em seu livro intitulado “Notas sobre o Supremo Tribunal Federal (Império e República)”, a aposentadoria compulsória por idade só foi introduzida no sistema constitucional brasileiro pela Constituição Federal de 1934.

Antes, não havia limite de idade para o exercício da magistratura, que contava com a sabedoria e a experiência de juízes como o ministro André Cavalcanti, que presidiu a Suprema Corte até os 93 de idade. Como a Constituição republicana de 1891 não previa a aposentadoria por idade, outros ministros compuseram a Suprema Corte brasileira para além dos 70 anos, como Herminio Francisco do Espirito Santo (83 anos), Olegario Herculano D’Aquino e Castro (78 anos), Sayão Lobato, o Visconde de Sabará (75 anos), Ribeiro de Almeida (75 anos), Edmundo Lins (74 anos), Freitas Henriques, que foi o primeiro presidente do STF aos 72 anos de idade, Godofredo Cunha e Tristão de Alencar Araripe (71 anos).

Renovação no STF

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal passou por grande renovação, com a aposentadoria de vários de seus ministros em razão do limite de idade. Somente em 2003, há dez anos, foram três: os ministros Sydney Sanches, Ilmar Galvão e Moreira Alves. Tivemos ainda, em 2008, a aposentadoria do ministro Carlos Velloso e, em 2011, a do ministro Eros Grau.

No ano passado, também deixaram a Corte, por imposição constitucional, os ministros Cezar Peluso, que sucedeu Sydney Sanches, e Ayres Britto, sucessor de Ilmar Galvão.

Na última década, também houve ministros que optaram por deixar o cargo antes da idade limite, como Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence e Ellen Gracie, sucedidos respectivamente pelos ministros Cármen Lúcia, Menezes Direito (falecido e sucedido pelo ministro Dias Toffoli) e Rosa Weber.

Julgados

Veja abaixo processos que evocam, de alguma maneira, o Estatuto do Idoso como forma de garantia de direitos constitucionalmente amparados às pessoas com idade a partir de 60 anos.

Assistência Social - No dia 18 de abril de 2013, o Plenário julgou inconstitucional o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS - Lei 8.742/1993), que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo. O recurso extraordinário foi interposto pelo INSS, que questionava o critério utilizado para aferir a renda mensal per capita da família da autora. O Plenário considerou o critério defasado para caracterizar a situação de miserabilidade e também declarou inconstitucional o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso. A decisão foi tomada no julgamento dos Recursos Extraordinários (REs) 567985 e 580963, ambos com repercussão geral.

Transporte interestadual - Em fevereiro de 2010, o Plenário confirmou a gratuidade para o transporte de idosos em ônibus interestaduais. A decisão foi tomada na Suspensão da Segurança (SS 3052) ajuizada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e cassou os efeitos de um mandado de segurança que havia barrado a gratuidade. Com a decisão, as empresas de ônibus interestaduais passaram a ter de reservar duas vagas gratuitas por ônibus para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos e oferecer desconto de 50% no preço das passagens para os demais idosos que excederem as vagas gratuitas, até o julgamento final do caso na Justiça Federal.

Juizados Especiais/crimes contra idosos - Em 2010, o Plenário concluiu o julgamento em que se discutia se os autores de crimes contra idosos teriam ou não direito a benefícios como conciliação ou transação penal. A questão foi tratada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3096) ajuizada pelo procurador-geral da República contra o artigo 94 do Estatuto do Idoso, que determina a aplicação dos procedimentos e benefícios relativos aos Juizados Especiais aos crimes cometidos contra idosos cuja pena máxima não ultrapasse quatro anos. O entendimento foi o de que o dispositivo legal deve ser interpretado em favor do seu específico destinatário – o próprio idoso –, e não de quem lhe viole os direitos. Com isso, somente se aplicam as normas estritamente processuais para que o processo termine mais rapidamente, em benefício do idoso.

Transporte urbano - Em 2006, o Plenário manteve a gratuidade do transporte coletivo urbano prevista no Estatuto do Idoso e na Constituição. Por maioria, o Tribunal julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3768, que questionava o artigo 39, caput, do estatuto. Prevaleceu o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, que considerou autoaplicável o artigo 230 da Constituição, que assegura o amparo ao idoso e o acesso ao transporte urbano gratuito.

Repercussão Geral – Recursos Extraordinários com repercussão geral reconhecida aguardam julgamento no Plenário do STF por apresentarem relevância do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, nos termos do parágrafo 1º do artigo 543-A do Código de processo Civil (CPC). São eles:

Desaposentação - O sistema previdenciário brasileiro exige idade mínima e tempo de contribuição para que se efetive o recebimento do benefício integral. Mesmo depois de aposentados, muitos segurados do INSS optam por retornar ao mercado de trabalho, voltando também a contribuir para o sistema previdenciário. Com isso, buscam na Justiça o direito de poder trocar o benefício por uma aposentadoria mais vantajosa, baseada na média das últimas contribuições. É a chamada desaposentação, que está em discussão nos Recursos Extraordinários (RE) 381367 e 661256.

O Plenário Virtual do STF reconheceu a existência de repercussão geral na questão constitucional discutida no RE 661256. Já o RE 381367 teve seu julgamento iniciado pelo Plenário em setembro de 2010. Após o voto do ministro Marco Aurélio (relator), no sentido de prover o recurso de uma aposentada, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli. O processo já foi liberado e aguarda retorno à pauta.

Planos de saúde - O RE 630852 está com a ministra Rosa Weber e discute a aplicação do Estatuto do Idoso aos planos de saúde anteriores a ele. O processo foi interposto pela Cooperativa de Serviços de Saúde dos Vales do Taquari e Rio Pardo Ltda. (Unimed), e distribuído originalmente à ministra Ellen Gracie. A cooperativa médica sustenta que a aplicação do estatuto em contrato de plano de saúde firmado antes de sua entrada em vigor viola o ato jurídico perfeito (artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição).

No recurso, a cooperativa questiona acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que considerou abusivo o reajuste da mensalidade do plano de saúde quando a consumidora completou 60 anos de idade. Com a aposentadoria da ministra Ellen Gracie, o recurso foi distribuído à ministra Rosa Weber, que, em abril deste ano, deferiu o pedido da Amil Assistência Médica Internacional S/A, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) para ingressarem na ação na condição de amici curiae.

Idosos em creches no DF - Já está liberada para julgamento no Plenário a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3534) ajuizada pelo Governo do Distrito Federal contra a Lei distrital 3.593/2005, que autoriza o atendimento de idosos em creches. O governo do DF argumenta que as creches são destinadas por lei ao atendimento de crianças entre zero e seis anos de idade, e que é incompatível atender devidamente às crianças e aos idosos, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).

Outras informações sobre avanços e o que ainda falta ser feito em benefício dessa população cada vez maior e contributiva ao país está no quadro “Saiba Mais”, do canal do STF no YouTube, sobre o aniversário de 10 anos do Estatuto do Idoso.

AR/CF 


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