A Quinta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, negou habeas corpus
preventivo interposto pela defesa do ex-presidente da República Luiz Inácio
Lula da Silva, com o objetivo de impedir a execução provisória da pena fixada
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), antes do trânsito em
julgado da condenação penal.
Em janeiro, em meio
ao recesso forense, o vice-presidente do STJ, ministro Humberto Martins, no
exercício da presidência, já havia indeferido o pedido liminar.
No julgamento da
tarde desta terça-feira (6), o colegiado entendeu que a previsão, pelo TRF4,
quanto ao início do cumprimento da reprimenda, após a conclusão do julgamento
pelas instâncias ordinárias, seguiu corretamente a tese fixada em 2016 pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), o qual concluiu que a execução provisória do
comando prisional, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não
compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.
Defesa e MPF
O julgamento foi
iniciado com a sustentação oral do advogado do ex-presidente, José Paulo
Sepúlveda Pertence. De acordo com a defesa, o entendimento fixado pelo STF
sobre a execução provisória da pena não possuiria caráter vinculante e seria
apenas uma possibilidade, não uma obrigação, devendo a sua aplicação ser
avaliada em cada caso.
A defesa também
alegou a falta de fundamentação da necessidade de execução provisória pelo TRF4
e a ausência de pedido de prisão pelo Ministério Público Federal no curso da
ação penal. Ainda de acordo com a defesa, a prisão antecipada violaria o
princípio constitucional de presunção de inocência.
Na sequência, o
subprocurador-geral da República, Francisco de Assis Vieira Sanseverino,
ofertou parecer pela denegação do habeas corpus sob o fundamento de que os julgamentos
dos tribunais superiores – a exemplo do STF – possuem, além do eventual efeito
vinculante, caráter persuasivo em relação aos demais tribunais, o que justifica
a aplicação dos recentes entendimentos da Corte Suprema, pelo TRF4.
Retomada da jurisprudência
O relator do
recurso especial, ministro Felix Fischer, destacou que a possibilidade de
execução provisória era a jurisprudência que prevalecia no STF, mesmo após a
Constituição de 1988.
Após modificação de
entendimento entre 2009 e 2016, o STF voltou a adotar a postura no sentido de
validar a execução antecipada da pena, tendo em vista, entre outros
fundamentos, que os recursos destinados aos tribunais superiores – como o
recurso especial e o extraordinário – não são dotados de efeito suspensivo. Nos
recentes julgamentos, o STF também considerou a impossibilidade de revisão de
fatos e provas pelos tribunais superiores.
De acordo com o
ministro, a possibilidade de execução da pena foi confirmada inclusive sob a
sistemática da repercussão geral também em 2016, quando o STF julgou o ARE
964.246.
“Assim, a execução
provisória da pena passa a ser um consectário lógico do julgamento condenatório
proferido pelo segundo grau de jurisdição. Não há que se falar, portanto, na
esteira da firme jurisprudência dos Tribunais Superiores, em ofensa ao
princípio da presunção de inocência, à coisa julgada, e tampouco em reformatio
in pejus, quando tão logo exaurida a instância ordinária”, apontou o
ministro.
Em relação aos
demais pontos aventados pela defesa – como a ausência de pedido expresso do MPF
sobre a prisão e os questionamentos específicos sobre as condenações por
corrupção e lavagem de dinheiro –, o relator destacou que a jurisdição do TRF4
ainda não foi concluída, já que está pendente a análise de embargos de
declaração interpostos pela defesa. Dessa forma, haveria supressão de instância
caso o STJ analisasse os temas nesse momento.
“No ponto, não
obstante a relevância, em tese, da matéria aventada no presente writ,
o que pretendem os impetrantes é a antecipação de eventual análise recursal,
com a substituição da via adequada, de matéria que ainda sequer foi sepultada
pela instância a quo, em razão da oposição de embargos
declaratórios na origem, o que conduziria, nesse momento, em caso de incursão
no âmbito de cognição pretendido, a indevida supressão de instância”, afirmou o
relator.
Sentença não
condicionou
O ministro Jorge
Mussi, segundo a votar, acompanhou o entendimento do relator de que o princípio
da presunção de inocência não inibe a execução provisória da pena. Além de não
verificar a existência concreta de ameaça à liberdade de locomoção do
ex-presidente, em razão de ainda estar pendente o julgamento dos embargos de
declaração pelo TRF4, ele destacou que a sentença condenatória não condicionou
a expedição do mandado de prisão ao trânsito em julgado do processo, cabendo ao
TRF4 decidir sobre as consequências da condenação.
“Ao julgar os
recursos de apelação interpostos pela acusação e pela defesa do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, a colenda 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da
4ª Região confirmou a sentença penal condenatória e determinou, uma vez
esgotada a sua jurisdição, seja oficiado ao juízo de origem, para que proceda à
imediata execução da pena privativa de liberdade imposta”, disse o ministro.
Não é prisão
preventiva
A maioria foi
formada após o voto do presidente da Quinta Turma, ministro Reynaldo Soares da
Fonseca. Apesar de reconhecer a existência de risco potencial da prisão do
ex-presidente, ele destacou que não cabe ao STJ alterar o entendimento do STF
sobre a possibilidade de execução provisória da pena, após a confirmação da
responsabilidade penal pelas instâncias de origem.
O ministro também
rebateu os argumentos da defesa sobre o fato de o ex-presidente possuir
condições favoráveis, sempre ter colaborado com a Justiça, ser réu primário e
não representar nenhuma ameaça à sociedade. Segundo ele, a execução provisória
da pena não está vinculada aos pressupostos exigidos na prisão preventiva, mas
apenas à confirmação da condenação em segundo grau.
Medida necessária
O ministro Ribeiro
Dantas, quarto a votar, seguindo a ordem de antiguidade, rechaçou o argumento
da defesa de que o STJ poderia afastar a execução provisória da pena, uma vez
que o próprio STF vem decidindo dessa forma em alguns julgados monocráticos.
Segundo ele, o STJ
está vinculado ao que foi decidido em plenário, e eventuais decisões isoladas
na Suprema Corte não têm força de vinculação.
“Se o Supremo
Tribunal Federal considerou, ao julgar o precedente debatido, que no processo
existia repercussão geral, e era caso de afetá-lo a seu plenário virtual e
decidi-lo com efeito erga omnes, não pode este mero órgão
divisionário de tribunal que está debaixo da jurisdição da Corte Suprema
presumir nisso uma ilegalidade porque, por óbvio, o juízo disso ? e juízo único
? é o próprio STF”, afirmou.
Ao concluir seu
voto, o ministro reconheceu que “esse cumprimento provisório da pena é duro, é
difícil, porém necessário para reverter a situação de impunidade que vivíamos”,
mas lembrou que “os meios civis de reparação de danos estarão sempre abertos
para aqueles que sofrerem prisões indevidas, sejam cautelares indevidas, seja
cumprimento provisório indevido”.
Sem constrangimento
ilegal
Último a votar na
sessão de julgamento, o ministro Joel Ilan Paciornik reconheceu a possibilidade
de que o Supremo Tribunal Federal revise o seu posicionamento atual sobre o
tema, tendo em vista recentes decisões cautelares proferidas de forma
monocrática. Todavia, o ministro destacou que ainda não houve nova manifestação
do plenário sobre o assunto, o que leva à necessidade de aplicação do
precedente colegiado fixado pela Suprema Corte.
“Nada obstante a
existência de ameaça real, consubstanciada na possibilidade de decretação da
custódia do paciente tão logo se esgote a jurisdição de segunda instância, é
certo que a referida ameaça não decorre de ato ilegal, mas de condenação
confirmada em grau de apelação, portanto não havendo margem para se falar em
constrangimento ilegal, em consonância com o posicionamento firmado pelo
Pretório Excelso”, afirmou o ministro na conclusão do julgamento da Quinta
Turma.
Histórico
O ex-presidente
Lula foi condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão, em regime
fechado, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. De acordo com
a ação penal, Lula teria recebido vantagem indevida decorrente de contratos da
construtora OAS com a Petrobras e ocultado a titularidade de apartamento em São
Paulo.
No TRF4, ainda está
pendente a apreciação dos embargos de declaração opostos pela defesa, recurso
que visa combater omissão, obscuridade ou contradição no acórdão. Após o
julgamento dos embargos, poderá ser determinada a execução provisória da pena.
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