ESPECIAL
06/08/2023
06:55
Na próxima
terça-feira, 8 de agosto, a Lei 11.672/2008 – conhecida como Lei dos Recursos
Repetitivos – completará 15 anos de sua entrada em vigor. A norma transformou
a atuação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao permitir que a tese jurídica
fixada em um único julgamento fosse aplicada para solucionar múltiplos processos com a mesma controvérsia.
Para marcar os 15 anos da Lei dos Repetitivos, esta reportagem relata os reflexos da nova sistemática processual na organização e no funcionamento do tribunal, e mostra – com o exemplo de 15 temas repetitivos, entre os mais de 900 julgados no período – o impacto desse instituto na vida das pessoas e no esforço para reduzir a litigiosidade na sociedade brasileira.
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A Lei
11.672/2008 foi responsável por estabelecer um procedimento que tornou
desnecessária a atuação individualizada do STJ em questões jurídicas
repetitivas – um marco na prática processual da corte. Em seus 15 anos de
vigência, a lei se tornou um relevante instrumento para uniformizar a
jurisprudência, aumentar a segurança jurídica e reduzir a demanda processual.
Afetações,
julgamentos e cancelamentos
O
assessor-chefe do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac) do
tribunal, Marcelo Marchiori, explica que, com a sistemática dos repetitivos,
diversas questões deixaram de tramitar em processos judiciais simplesmente
porque houve uma definição pelo STJ, corte incumbida de dar a última palavra na
interpretação da lei federal.
De acordo
com o Nugepnac, até julho deste ano, 1.204 temas repetitivos foram
afetados no STJ, tendo sido proferidos 911 acórdãos. Entre os
órgãos colegiados competentes para o julgamento dos recursos repetitivos,
a Primeira Seção, especializada em direito público, foi a responsável pela
maior parcela desses precedentes (526), seguida pela Segunda Seção, de direito
privado (217), pela Terceira Seção, de direito penal (85), e pela Corte
Especial (83).
A diferença
entre o número de temas afetados e a quantidade daqueles efetivamente julgados
ocorre principalmente devido ao cancelamento de alguns (182). Tanto o relator
do recurso repetitivo quanto o colegiado podem decidir cancelar um
tema. O julgamento da mesma questão jurídica pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), o não conhecimento do recurso representativo da controvérsia pelo relator ou o
cancelamento da afetação de um recurso sem a sua substituição são algumas
outras razões que podem levar um tema a ser cancelado.
O intervalo
de tempo entre a afetação do tema e a publicação do respectivo acórdão de mérito também
explica, em parte, a diferença entre o número de temas afetados e o de julgados.
Atualmente, um tema repetitivo fica, em média, 391 dias aguardando
julgamento. Hoje, há no STJ 111 temas nessa situação.
O começo da
construção da sistemática de repetitivos no STJ
A Lei
11.672/2008 foi o primeiro passo para a construção da sistemática de
recursos repetitivos existente hoje no tribunal, o qual se deve
também a outros importantes normativos, acordos, projetos e núcleos de
trabalho. Logo após a publicação da Lei dos Recursos Repetitivos, o STJ,
por meio da Resolução 8/2008, estabeleceu os primeiros procedimentos
relativos a esse rito de processamento e julgamento.
Quatro anos
mais tarde, em 2012, o STJ firmou um acordo de cooperação com os cinco Tribunais Regionais
Federais (TRFs) então existentes e com 16 Tribunais de Justiça (TJs),
estabelecendo procedimentos para seleção de recursos, critérios sobre juízo de
admissibilidade e suspensão de processos, além da forma de julgamento dos
processos suspensos.
Em 2013,
por meio da Resolução 2/2013, foi instituído o Núcleo de Repercussão
Geral e Recursos Repetitivos (Nurer), unidade que ficou
responsável por gerenciar os processos submetidos à sistemática da repercussão
geral e dos recursos repetitivos no STJ, além da
admissibilidade prévia de recursos especiais e respectivos agravos. No
ano seguinte, foi criada no tribunal a Coordenadoria de Repercussão Geral e Recursos
Repetitivos (Crer), unidade gestora dos repetitivos subordinada
ao Nurer.
STJ
auxiliou CNJ na gestão nacional de precedentes qualificados
Com auxílio
direto do STJ, em 2016, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução
235/2016, que padronizou – no âmbito dos tribunais superiores,
dos TJs, dos TRFs e dos Tribunais Regionais do Trabalho – os procedimentos
administrativos relacionados aos julgamentos de repercussão geral,
de repetitivos e de incidentes de assunção de
competência (IACs).
A resolução
também obrigou as cortes a organizarem, como unidade permanente, seus Núcleos
de Gerenciamento de Precedentes (Nugep). Em consequência, no mesmo ano, o STJ transformou a Crer em Nugep, passando o núcleo a
integrar a estrutura administrativa subordinada diretamente à Presidência.
Ainda em
2016, por meio da Emenda Regimental 24, o tribunal alterou seu Regimento
Interno (RISTJ) para estabelecer, nos artigos 256 a 256-X, toda a
sistematização dos repetitivos, desde sua indicação pelos tribunais de
origem, passando pela afetação, julgamento, publicação do acórdão, até a
possível revisão do seu entendimento. A emenda de 2016 também acrescentou o
artigo 121-A ao RISTJ para designar a nomenclatura "precedentes
qualificados" aos acórdãos proferidos sob o rito dos repetitivos.
Três anos
depois, em 2019, o STJ passou a utilizar o sistema de inteligência artificial
Athos, desenvolvido no próprio tribunal para localizar, antes da distribuição
aos gabinetes, processos que pudessem ser afetados para julgamento sob o rito
dos repetitivos.
Além disso,
possibilitou a formatação do Projeto Accordes pela Secretaria de
Jurisprudência, em que servidores, com o auxílio do Athos, monitoram, antes da
distribuição aos ministros, os processos com entendimentos convergentes ou
divergentes entre os órgãos fracionários da corte, casos com matéria de notória
relevância e, ainda, possíveis distinções ou superações de precedentes
qualificados.
O ano de
2020 foi marcado pela criação do
Nugepnac, que surgiu após a integração do Núcleo de Ações
Coletivas (NAC) à estrutura organizacional do Nugep. Desde então, o Nugepnac é
o responsável pela gestão dos precedentes qualificados previstos no CPC/2015
– repercussão geral, recurso repetitivo, IAC e suspensão
em incidente de resolução de demandas repetitivas (SIRDR) –,
bem como pelas ações destinadas a ampliar a eficácia do julgamento das demandas
de massa e de casos de grande relevância.
A Comissão
Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas
Outro
grande avanço na construção do sistema de recursos repetitivos no STJ
foi a criação da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas (Cogepac).
Instituída em
2014 como unidade temporária, a comissão tinha o propósito
de atuar na integração interna e externa da corte, com ações voltadas a ampliar
a formação de recursos repetitivos e a gestão dos processos
correlatos a essa sistemática. A ideia de formar um colegiado administrativo
integrado por ministros das três seções da corte partiu do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que presidiu a Cogepac desde a
primeira composição até a sua morte em abril de 2023.
Além de
Sanseverino, a comissão foi formada inicialmente pelo ministro Rogerio Schietti
Cruz e pela ministra Assusete Magalhães. Em 2016, o ministro Moura Ribeiro
passou a integrá-la na condição de suplente. Desde maio de 2023, devido ao
falecimento de Sanseverino, Assusete Magalhães assumiu a presidência e Moura
Ribeiro se tornou membro efetivo.
A Emenda Regimental 26/2016 transformou a Cogepac em
unidade permanente do STJ, encarregada de atuar exclusivamente na gestão dos
precedentes qualificados, exercendo atividades como supervisionar os trabalhos
do Nugep (hoje Nugepnac;) promover a integração jurisdicional e administrativa
interna (entre os gabinetes de ministros) e externa (mediante a interlocução
com os TJs e TRFs); acompanhar os processos com potencial de repetitividade ou
com relevante questão de direito; e desenvolver trabalhos de inteligência a fim
de identificar matérias aptas a serem submetidas à sistemática dos repetitivos ou
da assunção de competência.
Foco no
desenvolvimento da cultura de precedentes
A Cogepac
tem ainda as funções de sugerir medidas para aperfeiçoar a formação e a
divulgação de precedentes qualificados; desenvolver trabalho de inteligência
para identificar matérias aptas a serem julgadas pelas técnicas do recurso
repetitivo e do IAC; acompanhar os recursos representativos de
controvérsia e deliberar sobre questões afetas aos precedentes qualificados que
excedam a competência do Nugepnac. Em 2020, com a Resolução 29, o tribunal atribuiu à Cogepac a gestão das
ações coletivas.
À
presidência da comissão, cabe sugerir a afetação de recursos ao rito dos repetitivos quando
identificada multiplicidade de processos ou de julgados no STJ; analisar todos
os recursos indicados como representativos de controvérsia pelos tribunais de
origem; examinar e qualificar como representativos os recursos ainda não
distribuídos aos relatores.
Esse
trabalho de seleção prévia de matérias mudou sensivelmente a prática do STJ:
nos últimos anos, as afetações de recursos ao rito dos repetitivos decorreram
mais de sugestões da presidência da Cogepac do que de propostas dos relatores.
Para
o futuro, o objetivo é continuar expandindo a atuação da comissão dentro e fora
do STJ, como forma de estimular uma mudança de comportamento entre os
profissionais do direito. O desenvolvimento da cultura de precedentes e a
ampliação do papel da corte na formação de precedentes qualificados, tal como
se verificou no I Congresso Sistema Brasileiro de Precedentes e
nas visitas da comissão a outros tribunais, é um dos maiores
propósitos da Cogepac e do Nugepnac.
Leia
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sistema de precedentes
Repetitivos solucionaram
questões de grande relevância jurídica e social
Embora
todos os 1.204 temas cadastrados até hoje tenham relevância do ponto de vista
jurídico, alguns foram cercados de grande repercussão, quer pelo número de
processos com a mesma controvérsia, quer pelo impacto da tese na vida das
pessoas.
Foi sob o
rito dos repetitivos que o STJ definiu que o motorista não pode ser
compelido a colaborar com teste do bafômetro ou com exame de sangue, em
respeito ao princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se autoincriminar (Tema 446). Foi também nesse rito que a corte reconheceu
a tipicidade da conduta de atribuir-se falsa identidade perante a polícia,
ainda que em situação de alegada autodefesa (Tema 646).
Ao julgar
o Tema 585, a Terceira Seção estabeleceu que é possível, na
segunda fase da dosimetria da pena, a compensação integral da atenuante da confissão espontânea com a
agravante da reincidência, seja ela específica ou não. Todavia, nos casos de multirreincidência,
deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no artigo 61, I, do Código Penal, sendo admissível a sua
compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito
atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.
Leia
também: Terceira Seção define em repetitivo que reincidência múltipla
prepondera em relação à confissão espontânea
Outros
casos analisados pela seção especializada em direito penal foram o Tema 1.139, no qual foi vedada a utilização de inquéritos
e/ou ações penais em curso para impedir a caracterização do tráfico
privilegiado (artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006), e o Tema 190, em que o colegiado concluiu que o critério
trifásico de individualização da pena, trazido pelo artigo 68 do Código Penal,
não permite ao Judiciário extrapolar os tempos mínimo e máximo abstratamente
previstos para a sanção penal.
Quando
ainda tinha competência para questões previdenciárias, a Terceira Seção julgou o Tema 297, no qual se definiu que a prova exclusivamente
testemunhal não basta para comprovar a atividade rurícola, para efeito de
obtenção da aposentadoria rural.
No Tema 1.144, foram estabelecidas quatro teses sobre a
circunstância majorante quando o furto é praticado durante a noite. Nesse caso,
a Terceira Seção definiu que é irrelevante a vítima estar ou não dormindo no
momento do crime, bem como ele ser cometido em estabelecimento comercial, via
pública, residência desabitada ou veículo – bastando, para o aumento de pena,
que o furto ocorra à noite e em situação de repouso.
Leia
também: Aumento da pena em um terço exige apenas que furto tenha ocorrido durante
repouso noturno
A seção de
direito penal também definiu, no Tema 177, a natureza da ação nos crimes de lesão corporal
cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. No julgamento, o
colegiado mudou o entendimento anterior, de que a ação tinha natureza pública
condicionada à representação da vítima, e passou a considerar que a ação é pública
incondicionada.
Tema repetitivo na
primeira audiência pública do tribunal
Na área de
direito privado, um julgamento de destaque foi o que tratou da legalidade da
prática comercial que atribui pontuação aos consumidores conforme avaliação de
risco para concessão de crédito (Tema 710). Por ser um julgamento de alta complexidade
técnica e grande relevância social, a Segunda Seção promoveu uma audiência pública – a
primeira na história da corte – para ouvir especialistas com opiniões
contrárias e favoráveis ao sistema.
Em 2022, a
Segunda Seção definiu tese de grande impacto social a respeito dos planos de
saúde coletivos. No Tema 1.082, o colegiado decidiu que a operadora deve custear o tratamento de paciente grave mesmo após a
rescisão unilateral do plano de saúde coletivo. Para a
seção, a assistência médica ao usuário internado ou em tratamento médico
garantidor de sua sobrevivência ou de sua integridade física deve ser mantida
até a alta, desde que ele arque com as mensalidades.
Em
outro repetitivo, de grande repercussão no meio jurídico (Tema 988), a Corte Especial definiu que o rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil é de taxatividade
mitigada, por isso admite a interposição de agravo de
instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do
julgamento da questão no recurso de apelação.
Outra
controvérsia analisada pela Corte Especial no rito dos repetitivos foi
sobre a possibilidade, ou não, de fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais
por apreciação equitativa quando os valores da condenação, da causa ou o
proveito econômico forem elevados (Tema 1.076). O colegiado decidiu que, em tais hipóteses,
essa forma de arbitramento de honorários não é admissível.
Leia
também: STJ veda fixação de honorários por equidade em causas de grande valor com
apoio no CPC
Milhões de
processos resolvidos em um único julgamento
Entre os
julgamentos com impacto em maior número de processos semelhantes, destaca-se o
da Primeira Seção nos Temas 566 e 571, que tratavam da contagem da prescrição intercorrente
prevista na Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980). No primeiro tema, ficou
definido que o prazo de um ano de suspensão do processo e do respectivo prazo
prescricional previsto no artigo 40, parágrafos 1º e 2º, da Lei 6.830/1980 tem início
automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não
localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço
fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o
magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução.
No Tema
571, foi firmada a tese segundo a qual a Fazenda Pública, em sua primeira
oportunidade de falar nos autos, ao alegar nulidade pela falta de
qualquer intimação dentro do procedimento do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal,
deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que
constitui o termo inicial, em que o prejuízo é presumido), por exemplo,
deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva
da prescrição.
Estima-se
que as teses estabelecidas pelo STJ nessas questões tenham resolvido mais de 27
milhões de processos de execução fiscal em curso no país.
No
julgamento do Tema 444, a Primeira Seção definiu três teses sobre
a prescrição do redirecionamento da execução fiscal para o sócio de
empresa devedora. Com a fixação desses entendimentos, calcula-se que cerca de 6
milhões de execuções tenham tido uma solução uniforme.
O ano
judiciário de 2023 foi reaberto no STJ na última terça-feira (1º), após as
férias de julho, com a previsão de julgamento de vários temas repetitivos de grande
repercussão jurídica e social no segundo semestre.
FONTE: STJ
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/06082023-Nos-15-anos-da-Lei-dos-Repetitivos--STJ-comemora-mais-de-900-acordaos-em-demandas-de-massa.aspx
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