Poder Judiciário
não deve ignorar a governança pública
O Direito tem recebido nos últimos anos forte influência de áreas
interdisciplinares. Aglobalização dos negócios, a comunicação virtual, a
mudança de costumes e outros fatores, fazem com que, cada vez mais, ocorra um
entrelaçamento entre o Direito e a Economia, a Administração Pública, a
Sociologia e a Antropologia.
Do profissional do Direito exige-se que tenha não apenas conhecimentos
jurídicos, mas também de áreas afins. Neste quadro, a especialização acaba
sendo uma imposição, já que ninguém consegue ter, simultaneamente,
conhecimentos tão amplos e profundos.
Da Ciência da Administração recebemos, há alguns anos, as
Políticas Públicas. Os operadores jurídicos viram-se obrigados a estudá-las,
uma vez que elas passaram a ser discutidas judicialmente. A sociedade e os
órgãos legitimados passaram a provocar o Poder Judiciário, por exemplo, com a
reivindicação de remédios, e daí passou-se a estudar a matéria, hoje presente
nos currículos do Direito Administrativo.
Mais recentemente, a Governança
Pública entrou na pauta de discussões.Dela pouco se sabe no mundo
jurídico. Os índices de obras clássicas do Direito Administrativo não a incluem
na letra G. Cita-se, a título de exemplo,Direito Administrativo Moderno (17ª
edição), de Odete Medauar, e Curso de Direito Administrativo (9ª
edição), de Marçal Justen Filho, ambos de 2013 pela Revista dos Tribunais.
Portanto, quem quiser introduzir-se na matéria terá que recorrer ao mundo
digital. Colocadas as duas palavras no Google, surgem nada menos do que
aproximadamente 549.00 resultados.[1]
A Governança Pública é consequência direta da existência da Governança
Corporativa, instituída pelas empresas para regular suas atividades, objetivos
pelos quais se orienta a forma de administração, envolvendo todos os atores
interessados, ou seja, não só o Poder Público como fornecedores,
clientes, credores e instituições financeiras.
O Instituto Brasileiro de Governança Pública (IBGP), analisa em seu site
a “Governança do Setor Público” e, após fornecer o conceito dado pelos
principais estudos sobre a matéria, registra que “Quanto aos resultados
esperados, observa-se que, comparativamente à Governança Corporativa geral — em
que se busca a agregação de valor e melhores taxas de retorno do
capital investido pelos acionistas — na Governança Pública o resultado a ser
obtido é a melhoria dos serviços prestados à sociedade e dos benefícios auferidos
pela população”.
A Governança Pública reflete uma tendência mundial da sociedade
interferir na administração do Estado. Evidentemente, ela só será possível em
regime democrático e com forte consciência social. Em regimes autoritários, a
administração é centralizada e os dados internos são preservados com rigor.
Óbvio que a transparência administrativa, neles, nem sequer é cogitada.
Induvidosamente, tudo isto ocorre por fatores múltiplos. Mas é possível
afirmar que contribui para esta nova situação a descrença da população no
sistema de governo (e nos dirigentes) e a comunicação através das redes
sociais, que permite mobilizar milhares de pessoas em pequeno espaço de tempo.
Os professores alemães Leo Kissler e
Francisco G. Heidemann adotam o conceito de Loffer, para afirmar que consiste
em “uma nova geração de reformas administrativas e de Estado, que têm
como objeto a ação conjunta, levada a efeito de forma eficaz, transparente e
compartilhada, pelo Estado, pelas empresas e pela sociedade civil, visando
uma solução inovadora dos problemas sociais e criando possibilidades e chances
de um desenvolvimento futuro sustentável para todos os participantes”.[2]
Em poucas palavras, significa modernizar a administração pública,
torná-la menos onerosa, utilizar as técnicas de administração das empresas,
diminuir a distância entre a administração pública e a sociedade. Sintetizando,
procurar fazer com que a democracia seja participativa.
É óbvio que isto não é nada fácil.
Mas no Brasil já há tentativas nesta direção. Por exemplo, a Universidade
Tecnológica Federal do Paraná introduziu no curso de bacharelado em
Administração a matéria “Governança Pública e Corporativa”[3].
Segundo Maria da Conceição C.
Marques, “Em Portugal, o sector público tem vindo a instituir práticas de
governança corporativa, sendo o sector universitário um exemplo disso. Entre
outras práticas, a realização de auditorias regulares nas universidades
mostra-se como uma boa experiência, pois as instituições que as têm realizado
têm daí colhido os seus frutos”[4].
Porém, como poderia o Judiciário envolver-se nesse sistema? O mais
conservador dos Poderes de Estado aceitaria dividir com terceiros uma parcela
da administração da Justiça? A resposta é sim e não. O não será analisado
primeiro.
Todas as alterações encontram resistências e esta não seria exceção.
Pelo contrário, a resistência seria forte, porque estranhos iriam opinar sobre
o que há séculos é feito por magistrados e servidores públicos. Sim,
porque na medida em que não se modifica, o Judiciário mais se afasta da
sociedade e perde credibilidade. Por exemplo, a cada escândalo envolvendo
juízes, a solução tradicional de instaurar-se uma sindicância não responde ao
anseio social. Se o fato for incontroverso, o afastamento das funções é a única
resposta certa, não só porque é exigida pela sociedade, como por intimidar os
que tenham tendência de transgredir a regra.
Supondo-se que um Tribunal esteja disposto a aceitar a Governança
Pública, resta analisar com ela seria feita. Óbvio que não há nenhum marco
legal ou uma apostila orientando o gestor judiciário. Mas, libertando o
pensamento com ideais sobre o assunto, poderíamos vislumbrar algumas hipóteses:
a) Criação de
um Comitê de Ética para atender consultas de magistrados sobre como
proceder em determinadas situações, nele incluindo membros do Tribunal e também
externos, que poderiam ser acadêmicos, agentes do MP ou da advocacia;
b) Abertura ao
mundo empresarial, para que sugerissem práticas de sucesso corporativo com
possibilidade de serem adotadas no Poder Judiciário;
c) Prestação de
serviço voluntário na área administrativa e judiciária, como feito pelo
TRF da 4ª. Região com sucesso;
d) Parceria com
Conselhos de Arquitetura, para colheita de sugestões na construção de
Fóruns;
e) Parceria com
Conselhos de Administração, para colheita de sugestões na gestão pública;
f) Partilha de
espaços públicos, permitindo exposições de fotos, pinturas, formas de arte.
Em suma, trazer a sociedade para dentro do tribunal evitará o
distanciamento e permitirá que as relações sejam mais francas e de mútua
confiança. Tudo isto, evidentemente, com as cautelas devidas. Ninguém imagina
que em um setor estratégico (como uma uma Vara de Lavagem de Dinheiro) abra-se
a secretaria para acesso a terceiros. Melhorar os serviços judiciários não é
algo simples, mas é preciso sempre tentar, tentar e tentar. Qual tribunal dará
o primeiro passo?
http://www.conjur.com.br/2015-mar-01/segunda-leitura-poder-judiciario-nao-ignorar-governanca-publica
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