“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

PARADOXO DA CORTE - Recurso cabível contra decisão que julga procedente a impugnação







Em matéria recursal, visando por certo diminuir o número de agravos de instrumento, verifica-se 
que o Código de Processo Civil em vigor retornou ao sistema traçado pelo nosso primeiro estatuto processual — o velho Código de 1939 —, uma vez que estabeleceu, no artigo 1.015, de forma bem restritiva, que:
“Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XIII - outros casos expressamente referidos em lei”.
Assim, em princípio, acerca deste tema, o legislador partiu de duas premissas bem nítidas, a saber: i) o agravo de instrumento somente pode ser manejado nas situações específicas, autorizadas pela lei; e ii) outras questões resolvidas por decisões interlocutórias não são atingidas pela preclusão, porquanto, a teor do artigo 1.009, parágrafo 1º: “Devem ser suscitadas em preliminar de apelação..., ou nas contrarrazões”.
A despeito de algumas exceções que a praxe tem revelado, o próprio Código de Processo Civil amplia essa regra, a teor do parágrafo único do artigo 1.015, ao dispor que: “Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário”.
A apelação, por outro lado, é o recurso interponível contra a sentença (artigo 1.009), que corresponde ao ato decisório que põe fim à fase de conhecimento do processo.
Partindo-se então desse critério objetivo, na fase de cumprimento da sentença, sendo oferecida impugnação, instaura-se cognição acerca dos fundamentos deduzidos pelo executado, contraditados pelo exequente. Julgada a impugnação, a decisão que a rejeita tem natureza interlocutória, visto que o processo in executivis continua tramitando em busca da satisfação do credor, e, assim, desafia o recurso de agravo de instrumento. Todavia, o ato decisório que julga procedente o pedido formulado na impugnação (ou, até mesmo, na exceção de pré-executividade) ultima qualquer atividade processual posterior e, desse modo, tem natureza de sentença, dada a extinção do incidente de conhecimento, instaurado com a oferta de impugnação. A apelação, portanto, é o recurso cabível contra tal pronunciamento judicial.
Firme nesse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no recente julgamento unânime do Recurso Especial 1.698.344/MG, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, assentou que cabe apelação contra decisão proferida na fase de cumprimento de sentença que julga procedente a pretensão deduzida na impugnação.
Na origem, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais inadmitiu o recurso de apelação ao patentear que contra decisão proferida na fase de cumprimento de sentença, que julga impugnação oferecida pelo executado, o recurso cabível seria o agravo de instrumento.
O apelante defendeu a inadequação do agravo de instrumento, visto que o Código de Processo Civil não prevê expressamente essa hipótese e, ainda, porque a decisão impugnada não tem natureza interlocutória.
No caso examinado, o juiz de primeiro grau julgou procedente a impugnação, com homologação dos cálculos apresentados pela exequente, e condenou o impugnado ao pagamento das custas e dos honorários sucumbenciais. O impugnado interpôs apelação, que não foi conhecida pelo Tribunal de Justiça mineiro.
Ao apreciar o referido recurso especial, o ministro relator Luis Felipe Salomão destacou que o Código de Processo Civil de 2015 inovou ao prever um rol taxativo para o cabimento do agravo de instrumento. Asseverou, ainda, com muita acuidade, que se faz imprescindível examinar a natureza da decisão recorrida, pois o simples fato de haver uma decisão de mérito “não é suficiente, na sistemática em vigor, para a determinação do recurso a ser utilizado”.
Segundo o eminente relator, caberá apelação se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, e caberá agravo de instrumento nos demais casos previstos na lei.
Desse modo, nas situações em que as decisões proferidas no cumprimento de sentença acolham parcialmente a impugnação ou julguem improcedente o pedido, o ministro explicou que o recurso cabível é o agravo, visto que tais decisões, de natureza interlocutória, não extinguem totalmente o processo.
No entanto, na hipótese examinada no aludido julgamento, o voto condutor enfatizou que o ato decisório “que resolveu a impugnação, acolhendo-a e homologando os cálculos apresentados pelo executado, extinguiu o cumprimento da sentença, uma vez que declarou a inexistência de crédito em favor do exequente (havendo, em verdade, saldo devedor em seu desfavor)”, e, assim, segundo o caput do artigo 1.009 do Código de Processo Civil, desponta absolutamente adequada a interposição do recurso de apelação.
Os advogados, portanto, diante da necessidade de interposição de recurso na fase de cumprimento de sentença, devem examinar o conteúdo da decisão recorrida, proferida no âmbito da impugnação, para elegerem o meio recursal adequado.


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