18/04/2022 07:00
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a dois recursos por meio dos quais uma
família defendeu que a doação do imóvel em que reside, dos pais para os filhos,
não caracterizou fraude contra o credor, pois a propriedade – considerada bem
de família – seria impenhorável. Um dos recursos foi interposto pelo marido,
devedor, e o outro, por sua esposa e filhos.
Por unanimidade, o colegiado considerou que a
doação do imóvel – no qual a família permaneceu residindo – não configurou
fraude, uma vez que o prejuízo ao credor seria causado pela alteração da
finalidade de uso do bem ou pelo desvio de eventual proveito econômico obtido
com a transferência de propriedade.
Segundo os autos, uma empresa do devedor emitiu
cédula de crédito bancário de cerca de R$ 2,3 milhões em favor do Desenvolve
SP, instituição financeira do governo do estado de São Paulo. O empresário, com
a concordância de sua esposa, foi avalista do financiamento, tornando-se
devedor solidário, ao lado da empresa.
O credor ajuizou ação de execução de título
extrajudicial contra a empresa e o avalista. No curso do processo, constatou-se
que ele e sua esposa doaram os imóveis de sua propriedade aos três filhos após
a constituição da dívida. Alegando que as doações foram fraudulentas, a agência
de fomento requereu a anulação da transferência dos bens por meio de ação
específica.
O tribunal estadual entendeu que houve fraude e
declarou a ineficácia das doações em relação ao credor, em vez da anulação
pleiteada. No recurso dirigido ao STJ, o devedor sustentou que a corte paulista
não examinou a impenhorabilidade de um dos bens doados. Sua esposa e filhos
defenderam que a parte dela nos imóveis não poderia ser atingida pela execução,
pois não seria devedora.
Critérios para avaliar existência de fraude contra
credores
Relatora dos recursos, a ministra Nancy Andrighi
explicou que, de acordo com a orientação do STJ, a ocorrência de fraude contra
credores requer a anterioridade do crédito, a comprovação de prejuízo ao credor
e o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do
devedor.
A magistrada lembrou que há divergência na jurisprudência do tribunal quanto à preservação da garantia da impenhorabilidade na hipótese em que o bem é alienado em fraude à execução, que se assemelha à fraude contra credores, pois nessas duas hipóteses o reconhecimento da fraude objetiva garantir o pagamento da dívida.
Dessa forma, apontou a ministra, em cada caso, o
juiz deve ponderar entre a proteção do bem de família e os direitos do credor.
Ela observou que o principal critério para identificação de fraude contra
credores ou à execução é a ocorrência de alteração na destinação original do
imóvel ou de desvio do proveito econômico da alienação (se houver) que
prejudique o credor (REsp 1.227.366).
Imóvel permaneceu destinado à moradia
No caso dos autos, a relatora ressaltou que "o
bem permaneceu na posse das mesmas pessoas e teve sua destinação (moradia)
inalterada. Destaque-se, ademais, que os filhos do casal ainda não atingiram a
maioridade".
De acordo com a magistrada, essas peculiaridades
demonstraram a ausência de prejuízo ao credor e de intenção fraudulenta, de
maneira que deve ser preservada a impenhorabilidade do imóvel em que a família
reside.
A ministra acrescentou que, mesmo que não se
aplicasse tal raciocínio, a proteção da impenhorabilidade continuaria presente,
tendo em vista que a esposa do devedor "jamais ocupou a posição de
devedora" em relação ao Desenvolve SP, "mas se limitou a autorizar o
oferecimento da garantia pessoal por seu cônjuge, em razão do disposto no artigo 1.647, inciso III, do Código Civil".
Assim, afirmou Nancy Andrighi, a doação da cota dos
imóveis pertencente à mulher (50%) não pode ser considerada fraudulenta, bem
como está protegida pela impenhorabilidade, considerando que os recebedores da
doação residem no local. Segundo a ministra, o reconhecimento da
impenhorabilidade da metade relativa à meação de um imóvel deve ser estendida à
totalidade do bem (REsp 1.405.191).
Segundo a relatora, por qualquer
ângulo que se examine a questão, o imóvel em que os recorrentes residem "é
impenhorável e, por isso, não há que se falar em fraude contra credores".
Seguindo seu voto, o colegiado reformou o acórdão da corte estadual e determinou o retorno dos
autos ao primeiro grau para outras deliberações.
Leia o acórdão no REsp 1.926.646.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1926646
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