“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

Câmara aprova nova versão do Código Florestal; texto segue para sanção de Dilma


25/04/201221h31 > Atualizada 26/04/201200h10


Camila Campanerut
Do UOL, em Brasília

Sob protestos de conservacionistas, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (25) as alterações propostas pelo relator Paulo Piau (PMDB-MG) ao texto do Código Florestal.  Ao todo, 274 deputados votaram a favor, 184 contra, e dois se abstiveram. O texto segue agora para a sanção da presidente Dilma Rousseff.

Entre os pontos polêmicos do texto aprovado na Câmara estão a liberação de crédito agrícola para quem desmatou, a vulnerabilidade das áreas em torno de nascentes de rios e a permissão a desmatamentos em topos de morro e manguezais, áreas consideradas sensíveis.

O resultado da votação pode ser entendido como uma derrota do governo, que era contrário às mudanças propostas pelo relator.
A votação de hoje encerra mais um capítulo dos 12 anos de trâmite do projeto de lei no Congresso. O Código Florestal estabelece as bases legais sobre a exploração e preservação de florestas e vegetação nativa em propriedades privadas. Uma versão do projeto de lei havia sido aprovada em maio do ano passado pela Câmara  e em dezembro pelo Senado.
A votação foi nominal porque as bancadas do PSB, PC do B e PP não chegaram a um acordo, e os líderes desses partidos liberaram seus deputados para votar como quisessem. O PT, PRB, PV e PSOL votaram pelo aprovado pelo Senado no fim do ano passado.

Principais pontos

O texto aprovado na Câmara retira do Código Florestal artigo que impedia a concessão de crédito agrícola a produtores que não promovessem a regularização ambiental em cinco anos, contados a partir da data de publicação da lei. Para ambientalistas, o texto do Piau não pune quem demorar para se legalizar e não incentiva a regularização de propriedades desmatadas. Além disso, o texto aprovado tira artigo que proibia qualquer benefício a áreas com vegetação original que tenham sido desmatadas após 2008.
Pelo projeto de lei, cabe aos Estados definir quais áreas devem ter sua cobertura vegetal recomposta e quais atividades agropecuárias estão liberadas para exploração nas APPs (Área de Preservação Permanente). Segundo ambientalistas, os Estados não estão capacitados para estabelecer esses limites, nem aptos a cumprir o prazo de cinco anos para colocar em prática o programa de regulamentação (que substitui as multas).
Outro ponto polêmico é que as APP passam fazer parte de áreas a serem reflorestadas como Reserva Legal e é permitido contar regeneração, recomposição e compensação como áreas preservadas, ou seja, dá mais opções para o desmatador recuperar a área (não somente com mata nativa).
O novo Código dispensa a proteção de 50 metros em torno de veredas (nascentes e várzeas de rios e região com maior abundância de água na caatinga) deixando apenas as veredas como APPs. Segundo o relator, esta faixa no entorno seria muito grande e só a preservação da nascente já seria suficiente. Ele ainda elimina um dispositivos que vinculava destinação de recursos à recomposição.
Mantida proteção para margens de rios com até 10m de largura
O texto do Código Florestal aprovado na Câmara manteve a necessidade de recomposição de vegetação em 15 metros das margens de rios de até 10m de largura e a desobrigação para o pequeno proprietário de recompor suas áreas desmatadas até 2008. Hoje, esta faixa é de 30 metros.
Os donos de terra de até 4 módulos fiscais (que varia de tamanho de acordo com o Estado) têm a prerrogativa de manter o desmatamento feito até 2008. O benefício não se aplica às demais propriedades.
O projeto de lei aprovado hoje não prevê as faixas de recuperação ao longo de rios com com mais de 10 metros de largura.
Destaques
Quatro dos 12 destaques ao texto foram aprovados. Os ruralistas obtiveram vitória em relação às áreas de criação do camarão, que deixaram de ser consideradas áreas de proteção. Os manguezais permanecem como zonas de preservação ambiental permanente. Outra conquista dos ruralistas foi a retirada de artigo que estipulava que os dados do CAR (Cadastramento Ambiental Rural) fossem públicos e visíveis na internet.
Sobre as zonas de proteção em áreas urbanas, ficou decidido que seu tamanho fica a cargo dos planos diretores municipais e estaduais.
Veja a seguir as principais divergências entre os textos da Câmara e do Senado e o que o texto de Piau propõe. Nesta fase do processo legislativo, o Regimento Interno não permite a criação de novos textos, apenas a montagem da redação final com partes do substitutivo do Senado e da Câmara; ou a aprovação integral de uma das versões.
Tópico
Câmara
Senado
APP em margem de rio
Define faixa de recuperação de mata de 15 metros apenas em rios com até 10 metros de largura. Para os rios maiores a APP (Área de Preservação Permanente) seria definida pela União e pelos Estados.
Relatório de Piau: elimina as faixas de recomposição para todos os tamanhos de rio
A área de recomposição de vegetação permanece de 15m para rios de até 10m de largura.
Nos rios maiores, em pequenas propriedades, a recuperação será de 30 a 100 m.
Em propriedades maiores, a recomposição será definida pelos conselhos estaduais.
Descentralização das decisões/ Anistia
A grande polêmica da votação, a emenda 164, passa para os órgãos Estaduais de meio ambiente, o PRA (Programa de Regulamentação Ambiental), a decisão sobre o que pode ser consolidado de uso em APP e quanto tem que ser recuperado.
Relatório de Piau: volta à descentralização, que deverá seguir regras por bioma e tamanho da propriedade. Pode perdoar desmatamentos se permitir a consolidação das produções
O texto do Senado estabeleceu um parâmetro mínimo do que tem que ser recuperado, tanto falando em tamanhos de margens de rios e cultivos permitidos em topos de morro quando a utilização para utilidade pública, interesse social ou com baixo impacto ambiental.
Pequenas propriedades
Pequenas propriedades (de até 4 módulos fiscais) poderão manter a reserva existente até julho de 2008.
Relatório de Piau: Retira especificação de pequena propriedade e pede para que sejam definido no futuro "mecanismos de preservação do potencial produtivo das pequenas e médias propriedades".
O texto desobriga a recomposição de áreas de Reserva Legal ilegalmente desmatadas até julho de 2008 para as propriedades consideradas pequenas (até 4 Módulos Fiscais).
APP em áreas urbanas
Relatório de Piau: retira esta definição, só deixa a existência de APP em margens de rios urbanos, mas sem delimitação, que fica a cargo do plano diretor municipais e estaduais.
As áreas de expansão urbana deveriam prever 20 metros quadrados de vegetação por habitante.
Crédito rural
Relatório de Piau: retira esta definição
Determina suspensão de crédito a quem não se registrar, num prazo de cinco anos, ao CAR (Cadastramento Ambiental Rural)
Recuperação da terra
Relatório de Piau: retirou o prazo e a extensão, o que, pode abrir espaço para que áreas desmatadas possam ser consideradas a qualquer tempo como área de pousio.
Fixa em cinco anos o prazo máximo para que a terra fique sem utilização para recuperação da sua capacidade produtiva natural (pousio) e a extensão máxima para o pousio é de 25% da área produtiva da propriedade.
Reserva Legal
Mantinha os padrões atuais de 80% de preservação na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nos demais biomas.
Possibilita a redução da reserva para 50% em estados com mais de 65% das suas áreas em reservas ambientais, como é o caso do Amapá.
Data limite para anistia
Tanto para APPs e Reserva Legal abre brechas que permitiram regularizar desmatadores sem data limite. Para alguns defensores, o texto do Senado impõe exigências que dificilmente poderão ser cumpridas por boa parte dos produtores rurais brasileiros devido ao alto custo de reflorestamento.
Tanto para APPs e Reserva Legal estabelece julho de 2008 o limite para o desmate ser regularizado, posterior à data, deve haver recuperação.
Mangues
Fala que apicuns e salgados, usados para produção de sal e camarões, não são parte do ecossistema dos manguezais, tirando parte do bioma de área de proteção permanente.
Relatório de Piau: suprimiu o capítulo relativo ao uso de salgados e apicuns, manteve apenas a regularização de atividades até 2008 e transformou o bioma em área de uso restrito. Para esse caso, as regras deverão estar previstas no zoneamento ecológico-econômico realizado pelos Estados.
Define que apicuns e salgados são parte dos manguezais, mas permite uso consolidado até 2008.
Topo de morro como APP
Abre exceções para cultivo.
Relatório de Piau: consolida pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros.
Define topo de morro como APP.

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