Queixas contra planos de saúde quintuplicam em dez anos
Com um crescimento acelerado do
número de segurados, em grande parte devido à expansão da classe média, os
planos de saúde tornaram-se alvo, nos últimos dez anos, de um aumento acentuado
de queixas no Brasil - o que é visto por especialistas como reflexo das
deficiências do setor.
Dados obtidos pela BBC Brasil com a
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão responsável por regular a
atividade das operadoras de assistência médica e odontológica no país, revelam
que de dezembro de 2002 a setembro de 2012 (última estimativa disponível) o
número de reclamações registradas por usuários na autarquia federal
praticamente quintuplicou, passando de 16.415 para 75.916, um crescimento de
362%.
No mesmo período, a quantidade de
planos de saúde em atividade no país caiu 36%, de 2.407 para 1.542, ao passo
que o universo total de beneficiários, incluindo aqueles com planos
exclusivamente odontológicos, ganhou aproximadamente 32 milhões de novos
usuários.
Segundo a ANS, além do crescimento da
base de clientes, o incremento no número de reclamações foi resultado, entre
outros fatores, de uma atuação mais rigorosa da agência.
Na avaliação de Bruno Sobral, diretor
do órgão, a autarquia ganhou visibilidade ao tornar-se uma espécie de 'porto
seguro' para consumidores descontentes com seus planos de saúde, criando
garantias para que suas demandas sejam solucionadas e incentivando, assim, o
registro de mais queixas.
Já para a FenaSaúde, entidade que
representa 15 grupos empresariais do setor, a multiplicação das queixas 'não
reflete, necessariamente, um aumento dos problemas'.
Segundo a associação, os consumidores
possuem atualmente 'muito mais canais para encaminhar suas queixas à ANS ou aos
órgão de defesa do consumidor'.
Mas, de acordo com especialistas
consultados pela BBC Brasil, o aumento na quantidade de reclamações, apesar de
ter acompanhado a evolução do número de pessoas com acesso a plano de saúde
(que cresceu de 35,2 milhões, em 2002, para 67,1 milhões, em 2012), evidencia,
sobretudo, que o setor ainda sofre com falhas, como a falta de fiscalização e a
lentidão no julgamento dos processos.
Líder de reclamações
Segundo o Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec), há mais de uma década, os planos de assistência
médica são os principais 'vilões do consumo' do país, liderando o ranking de
atendimentos no órgão.
A compilação, feita com base no
cruzamento de dados de Procons (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) de
todo o Brasil, indica que as principais queixas dos segurados se referem à
negativa de cobertura (quando o usuário é impedido de receber determinado
tratamento apesar de previsto no plano), reajuste por faixa etária e anual e
descredenciamento de prestadores de serviço.
No ano passado, segundo dados da ANS,
houve 400 milhões de atendimentos em todo o país, e, das 75.916 reclamações
registradas no órgão, cerca de 75,7% foram relacionadas à cobertura.
Além disso, de acordo com a entidade,
um dos motivos pelos quais o setor se mantém na liderança das queixas é o
crescimento dos planos coletivos - entre eles os falsos coletivos (oferecidos a
pequenos grupos de consumidores) -, que hoje representam mais de 70% do
espectro total no Brasil.
Para eles, por exemplo, a ANS não
determina um teto máximo de reajuste anual, como faz com planos individuais.
'Por oferecerem um serviço de
relevância pública, as operadoras deveriam seguir os parâmetros do acesso
integral à saúde, mas, na prática, não é isso que acontece', afirma Joana Cruz,
advogada do Idec.
'Infelizmente, a lógica dos planos de
saúde é a do lucro máximo e a qualquer preço. Isso se dá, normalmente, através
de corte de custos. Além da negativa de cobertura, os planos de saúde impedem
que o médico decida sozinho sobre procedimentos mais caros e, não raro,
preferem contratar profissionais de baixo padrão técnico', diz Thelman Madeira
de Souza, ex-funcionário de carreira do Ministério da Saúde e analista da área.
Procedimentos negados
Outro estudo realizado pelo Idec
aponta que, entre janeiro de 2010 e maio de 2012, os procedimentos mais negados
pelas operadoras estavam previstos tanto no rol de procedimentos da ANS -
listagem mínima de consultas, cirurgias e exames que um plano de saúde deve
oferecer - quanto na Lei de Planos de Saúde, que definiu as normas para o setor
em 1998.
Entre eles, havia consultas médicas,
exames de sangue, partos e cirurgias de estômago.
Para alguns especialistas,
entretanto, o consumidor acaba prejudicado pela aparente falta de um orientação
única sobre que procedimentos devem ser atendidos pelas operadoras.
'Pela lei, as operadoras são
obrigadas a realizar procedimentos para as doenças listadas pela Organização
Mundial da Saúde, salvo algumas exceções', explica Lígia Bahia, professora da
UFRJ e uma das maiores especialistas na área.
'Mas nem tudo está presente no rol da
ANS. Como resultado, os planos de saúde baseiam-se nessa lista e deixam de
realizar procedimentos assegurados pela legislação', acrescenta.
Um dos exemplos, segundo Bahia, é o
transplante de fígado, que não está incluído na lista da agência, apesar de ser
contemplado pela OMS.
Lentidão
A lentidão no julgamento dos
processos contra os planos de saúde também é alvo de críticas dos
especialistas.
O mesmo levantamento do Idec aponta
que, no período analisado, o tempo mediano de resolução para reclamações sobre
negativa de cobertura foi de 21 dias em 2011 e 29 dias em 2012.
Para outros processos, entretanto, a
duração pode ultrapassar anos.
Segundo o advogado Vinícius de Abreu,
fundador da ONG Saúde Legal, que busca defender os direitos e garantias dos
usuários dos sistemas de saúde público (SUS) e privado, outro aspecto da
morosidade é constatado na suspensão de planos de saúde.
'A ANS demora muito para suspender ou
liquidar operadoras que infrinjam as regras', afirma. É preciso que a agência
aplique punições mais severas e rápidas', defende.
Outro lado
O Ministério da Saúde, por outro
lado, argumenta que tem tomado ações para tornar o monitoramento das operadoras
ainda mais rigoroso.
Em nota enviada à BBC Brasil, o órgão
informa que entre as iniciativas, destacam-se 'a determinação para a marcação
de consultas, exames e cirurgias e a suspensão dos planos que não cumprem os
prazos estabelecidos'.
Segundo a pasta, em 2012, 396 planos
de saúde de 96 operadoras foram suspensos temporariamente por não cumprirem os
prazos.
Além disso, o Ministério da Saúde
destaca que as operadoras terão de justificar por escrito, em até 48 horas, as
negativas de coberturas. A resolução entrará em vigor no próximo dia 7 de maio.
Fonte: Agência BBC Brasil.
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