“O poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades.” (ARENDT, Hannah Condição Humana, 2007, p. 212)

IMUNE DE RESPONSABILIDADE - Em São Paulo, juízes respondem a ações de danos morais por causa de decisões



18 de agosto de 2018, 7h04
Entre 2009 e 2016, foram ajuizadas nove ações de reparação civil contra juízes de São Paulo por causa de decisões judiciais. Em 2017, esse número saltou para 13, e este ano já foi ajuizada uma ação.
Parte da explicação para os números é a mudança no entendimento de que juízes são imunes de responsabilidade quando cometem erros em suas decisões. Em Araraquara, interior de São Paulo, um homem que ficou preso por 10 meses além da pena a que foi condenado ajuizou uma ação para pedir indenização à administração estadual. E pediu para incluir o juiz da Vara de Execução no polo passivo.
Com o pedido, o Tribunal de Justiça de São Paulo pediu para entrar como amicus curiae na ação, o que foi deferido pelo juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública de Araraquara. O juiz entendeu que o processo apresenta o requisito previsto no artigo 138, caput, do Código de Processo Civil, e que a especificidade do tema "responsabilidade civil pessoal do agente público que integra o quadro do requerente" autoriza o ingresso como amigo da corte.

É um quadro que tem preocupado a magistratura paulista. Durante o lançamento do Anuário da Justiça São Paulo 2018, que aconteceu na sede do Tribunal de Justiça na quarta-feira (15/8), desembargadores reagiram com espanto aos números. Para eles, a punição de um juiz por decisões que ele tenha tomado é uma ideia "totalmente absurda".

Juízes de São Paulo estão sendo acionados para responder civilmente por decisões que tomaram, mostra levantamento.

O desembargador Sérgio Coimbra Shmidt, da Seção de Direito Público, afirma que “isso é o crime de hermenêutica”. “O juiz pode ser responsabilizado, mas nas hipóteses previstas em lei, em caso de dolo e prevaricação. Agora, porque ele pensa assim e outro assado, é hermenêutica”, analisa. “O concurso da magistratura não quer que você responda certo ou errado, quer que você fundamente. Isso vale para toda a sua carreira, para todos, advogados, juízes e promotores.”
O advogado Alberto Pavie, que defende as principais entidades de classe da magistratura, conta nunca ter sido procurado para trabalhar num caso do tipo. Ele costuma trabalhar no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça e conhece precedentes em que o Estado foi condenado por erro judiciário, mas nunca o juiz.
"Para que haja condenação do magistrado, a Loman exige comprovação de dolo ou fraude. Culpa apenas, jamais", afirma Pavie, em referência ao artigo 49, inciso I, da lei. A jurisprudência do STJ, de fato, diz que, para haver responsabilização do juiz por decisões que tenha tomado, quem se sentir prejudicado deve comprovar intenção do magistrado de causar danos com sua atuação, e não apenas apresentar um resultado negativo decorrente da decisão — conforme ficou definido no Recurso Especial 1.221.997.
"Nunca trabalhei num caso desses e nunca foi consultado por nenhuma das entidades para atuar em defesa de magistrados em ações desse tipo", continua. Entre os clientes de Pavie, estão a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Alex Zilenovski, desembargador da Seção Criminal e membro eleito do Órgão Especial, também vê o fato com preocupação e afirma que nada pode tirar a liberdade de o juiz decidir. “O crime de hermenêutica é um absurdo. Não vejo o menor sentido nisso. É natural que juízes, diante de uma mesma situação e com a mesma lei, tenham decisões e julgamentos distintos. Faz parte e tem que ser assim. A beleza da judicatura é justamente essa”, afirma.
O juiz tem liberdade para julgar desde que ele fundamente, continua Zilenovski: “Não pode decidir por decidir, de forma arrogante e autoritária. Se ele fundamentou com conceitos jurídicos e dentro da legislação, tem que ser respeitado”.
Para ele, o juiz que decidir com intenção de prejudicar deve ser punido administrativa, civil e até penalmente. No entanto, segundo o desembargador, “quando o juiz está decidindo, ele analisa o processo, a lei e o fato concreto, por isso a decisão tem de ser respeitada. Quem não se conformar com essa decisão, o caminho é o recurso e não punir o juiz”. "Não podemos ter juízes acovardados."
https://www.conjur.com.br/2018-ago-18/sao-paulo-juizes-respondem-acoes-civeis-causa-decisoes

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

OPINIÃO Improbidade: principais jurisprudências e temas afetados pela Lei 14.230/2021

Legalidade, discricionariedade, proporcionalidade: o controle judicial dos atos administrativos na visão do STJ

Advogado, use o selo de valorização dos honorários em suas petições